“Poderíamos fazer algo tão bom assim?”, perguntou um surpreso Paul McCartney, depois de ouvir o álbum Pet Sounds, dos americanos Beach Boys. “Não. Podemos fazer melhor”, respondeu o sábio George Martin, arranjador e parceiro das ousadias sonoras praticadas pelo grupo. E fizeram: em 1967, o álbum Sgt Pepper’s explodia no mundo, detonando a mais profunda revolução musical da história da Humanidade.
Apenas como exemplo da influência de Sgt Pepper’s, basta lembrar que Domingo no Parque, de Gilberto Gil, arranjada por Rogério Duprat, com participação dos Mutantes, espécie de marco zero da Tropicália, é filha direta da primeira audição do álbum. Nos anos noventa, a coletânea Pepperisms reuniu manifestações da influência de Sgt Pepper’s em todas as regiões do Planeta, incluindo a América Latina, que teve no álbum La Conferencia Secreta Del Toto´s Bar, do grupo Los Shaker´s, do Uruguai, talvez seu rebento mais fiel.
Mas, a verdadeira “guerra transatlântica”, como definia George Martin, tinha começado um ano antes, quando Brian Wilson, o gênio líder dos Beach Boys, ouviu, em dezembro de 1965, o álbum Rubber Soul, dos Beatles. “Foi um desafio definitivo para mim”, disse ele, anos depois, no encarte da reedição em CD do álbum Pet Sounds. “Cada faixa era artisticamente muito interessante e estimulante”, comentou Wilson. Superada a supresa inicial, o líder dos Beach Boys começou a trabalhar em Pet Sounds, que radicalizou na utilização de refinadas harmonias vocais e arranjos orquestrais.
Tão logo Pet Sounds chegou às lojas, foi a vez de Paul McCartney delirar com as invenções sonoras de Brian Wilson. Segundo ele mesmo conta, ouviu tanto o disco – por centenas de vezes, por dias e horas a fio – que Pet Sounds tornou-se onipresente em sua vida naquele momento. “Toquei tanto o disco para o John (Lennon), que foi difícil ele também escapar da influência de Pet Sounds”, entrega Paul, que define o clássico dos Beach Boys com “o disco daquela época”.
“Fiquei impressionado com a lucidez de Pet Sounds, e em como os arranjos eram intrigantes”, disse o parceiro de John Lennon, no início dos anos noventa. Para McCartney, parecia que os Beatles não conseguiriam superar aquela obra, o que o levou a questionar George Martin sobre a desvantagem momentânea naquela saudável competição. Talvez o fã mais famoso de Pet Sounds, McCartney apaixonou-se imediatamente por God Only Knows e You Still Believe in Me, esta a canção de outro compositor que ele mais gostaria de ter escrito na vida.
Quando Sgt Pepper’s ganhou às ruas, foi a vez de Brian Wilson novamente surpreender-se com a concorrência, mas agora já não de forma tão positiva como da primeira vez. Conta a lenda que, diante do poder do novo álbum dos Beatles, Wilson entrou em depressão, abandonando as sessões de Smile, que poderia ter sido o Sgt Pepper’s dos Beach Boys. Atropelado em sua viagem na busca do maior álbum dos anos sessenta, restou aos Beach Boys lançar a pequena “sinfonia de bolso”, como definia Brian Wilson, o single Good Vibrations – saído das sessões de Pet Sounds – e o álbum Smiley Smile (1967), sem o mesmo apelo conceitual da obra de Lennon & McCartney.
Interrompido, Smile transformou-se no mais famoso e lendário álbum inacabado da história do rock mundial – finalmente concluído em 2004, graças ao novo parceiro Darian Sahanaja, dos Wondermints. Ao longo dos anos, o disco ganhou várias edições piratas, trazendo suas demos e ensaios que, de fato, apontavam para um resultado final genial. Entre elas, está a primeira edição em vinil, lançada nos anos oitenta, e uma caixa com quatro CDs, editada em 1999, pelo selo Vigotone. Nos anos noventa, a coletânea oficial Good Vibrations, pelo selo Capitol, incluiu as músicas da sessão em um de seus quatro volumes oficiais, além do CD-bônus.
Isso tudo, que um dia foi lenda, hoje faz parte da história oficial do rock and roll, retratando o momento mais criativo e definidor de rumos daquela década de ouro, que antecedeu a explosão piscodélica do “verão do amor”, em 1967. Uma história que, apesar de contada tantas vezes, ainda esconde um detalhe, que talvez explique porque Brian Wilson, que antecipou-se a Lennon & McCartney, com Pet Sounds, acabou perdendo a corrida pelo number one da discografia roqueira mundial.
No estúdio, “sonhando que tinha uma auréola sobre sua cabeça, como se anjos estivessem presentes”, como ele mesmo disse, ou extasiado com o golpe que acertara com Pet Sounds, Brian Wilson não prestou atenção em todos os movimentos dos adversários e na revolução musical e comportamental que alargava seus horizontes. O vacilo, se podemos assim chamar, foi não perceber que logo após Rubber Soul e antes de Sgt Pepper’s, os Beatles produziram Revolver, o verdadeiro divisor de águas naquele momento.
Enquanto Brian Wilson continuava sua viagem em busca do “som dos anjos”, iniciada com Pet Sounds, os Beatles já sabiam que o “amanhã desconhecido” era mais ácido, elétrico, concreto (no sentido de John Cage), colorido e universal.
Texto originalmente publicado na revista Bizz.
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