Recém nascido nos EUA, o rock and roll pegou a juventude brasileira, como a do resto do mundo, de surpresa, pois até então os jovens não tinham um ritmo musical próprio e nem acesso às salas-santuários, onde mamães e papais ouviam boleros, samba-canção, tangos e, os mais radicais, big bands, Frank Sinatra e Doris Day.
Assim, quando o rock aportou no território nacional, por volta de 1955, incendiando as festinhas e os cinemas, e pressionando as gravadoras por lançamentos, quem primeiro tocou e cantou o novo ritmo foram as orquestras de jazz e os cantores tradicionais.
Intérprete de samba-canção, a cantora Nora Ney cantou o primeiro rock (em inglês) no Brasil – Ronda das Horas/Rock Around the Clock, lançado em novembro de 1955, pelo selo Continental, que imediatamente passa a ocupar o primeiro lugar da parada da Revista do Rádio, de Janete Adib.
No início de 1957, o filho do violonista Josué de Barros – descobridor e acompanhante de Carmem Miranda -, Betinho (& Seu Conjunto) grava o primeiro rock com guitarra elétrica – Enrolando o Rock, trilha sonora do filme Absolutamente Certo, relançado recentemente pela revista Isto É, na série Isto É Cinena Brasileiro.
E, na mesma época, Miguel Gustavo (o mesmo de Pra Frente Brasil – hino da Copa do Mundo de 1970) compôs o primeiro rock com letra em português – Rock and Roll em Copacabana, interpretado por Cauby Peixoto, então o cantor mais popular do país.
O filme Ao Balanço das Horas, por sua vez, que entrou em cartaz no final de 1956 nos principais cinemas do país, encarregou-se de espalhar o novo gênero musical, provocando tamanha confusão, que levou diversas autoridades a pedir a sua proibição.
No entanto, à revelia da reação hipócrita, e do ano de 1957 praticamente sem lançamentos do gênero, o movimento ganhou corpo com a chegada às lojas, em junho de 1958, do histórico 78rpm – Forgive Me/Handsome Boy (de autoria do maestro Mário Gennari Filho e letra de Celeste Novaes), dos irmãos Tony Campello e Celly Campello, vindos do interior de São Paulo.
A partir da entrada dos irmãos Campello em cena, a história do rock brasileiro passa a ganhar identidade, abrindo espaço para o surgimento de programas de rádio e televisão – com Crush em Hi-Fi, apresentado pelos dois – novos ídolos, especialmente Sérgio Murilo, e hits sensacionais, como Banho de Lua, Estúpido Cúpido e Marcianita, entre dezenas de outros.
Além dos grandes centros, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a ausência de intérprétes juvenis locais também é suprida pelas orquestras de baile, no casos os conjuntos melódicos, como Poposky & Seus Melódicos, que reproduzia o visual e o repertório de Bill Halley & His Comets, e tinha entre seus membros o guitarrista Olmir “Alemão” Stocker.
Até o final da década, surgem novos intérprétes como Demétrius, Sonia Delfino, Baby Santiago (“o nosso Chuck Berry”, segundo professor Teothônio Pavão, pai de Meire e Albert), Wilson Miranda e Ronnie Cord, entre outros, que dividem o panteão de heróis da primeira fase do rock brasileiro.
Adentrando os anos sessenta, e misturando-se com o rock instrumental e a surf music, o rock de três acordes ainda contou com a incursão de artistas multimídias como Jô Soares, que gravou o compacto Vampiro/Volks do Ronaldo (1963) e Moacir Franco, que gravava sob o codinome de Billy Fontana, acompanhado de Betinho e Seu Conjunto.
Ainda nesse período, também dão os primeiros passos os grandes ídolos da década seguinte, especialmente Erasmo Carlos com seu The Snakes, Eduardo Araújo, que grava a sensacional Prima Daisy, e Renato e Seus Blue Caps, que faz sua primeira gravação acompanhando o grupo vocal Os Adolescentes.
- O primeiro rock, com Nora Ney
O primeiro rock gravado no Brasil foi ‘Rock Around The Clock’, com Nora Ney, em 1955. A gravação de Nora Ney, cantora de jazz e samba-canção, se deve ao fato de que o nascente rock ainda não contava com intérpretes jovens.
Tão logo foi lançada, a música chegou ao primeiro lugar na parada da Revista do Rock, editada pela jornalista Janete Adib, de grande repercussão junto à juventude da época. Original de Bill Halley and His Comets, ‘Rock Around The Clock’ era o grande hit do momento, por estar na trilha do filme ‘Ao Balanço das Horas’.
O filme fez enorme sucesso no país, bem como no resto do mundo, levando os espectadores à loucura durante as exibições. A reação dos adolescentes provocou, inclusive, a proibição da fita por parte das autoridades, entre elas o então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros.
O cover de Nora Ney chegou aos tempos modernos por conta da histórica coletânea ‘Censurar Ninguém se Atreve, lançada em vinil em 1989, e em cd em 2000, pelo selo Wop Bop.
- A primeira guitarra do rock nacional
Já o primeiro rock com guitarra é de responsabilidade do instrumentista Betinho, nascido Alberto Borges de Barros, e filho de Josué de Barros, descobridor de Carmem Miranda. A
música lançada em 1957, trazia Betinho tocando uma Fender Stratocaster, em substituição a Gibson que utilizara na gravação do fox ‘Neurastênico’, em 1954.
‘Enrolando o Rock’ foi trilha sonora do filme ‘Absolutamente Certo’, de Anselmo Duarte, com Odete Lara e Dercy Gonçalves, executada ‘ao vivo’ em uma das cenas do enredo.
A música integrou o 10’ e o LP ‘Betinho, Rock & Calypso’, inéditos em CD, com participação dos músicos Renatinho (acordeão), Salinas (piano), Navajas (contrabaixo), Bolão (sax) e Pirituba e Rafael (baterias).
O original de ‘Enrolando o Rock’ foi relançado no LP ‘O Rock dos Anos 60’, produzido por Tony Campello e Albert Pavão, e ganhou um excelente cover da banda Rockterapia – de Eddy Teddy e Nuno Mindelis -, nos anos noventa.
*Rock em português, na voz de Cauby Peixoto
O primeiro rock cantado em português foi ‘Rock and Roll em Copacabana’, de autoria de Miguel Gustavo, posteriormente conhecido pela música ‘Pra Frente Brasil’.
Cantada por Cauby Peixoto, com levada de rhythm’n’blues, a música também foi lançada em 1957, quase ao mesmo tempo de ‘Enrolando o Rock’, também em português, o que gerou uma polêmica sobre a primazia do feito, que continua até hoje.
Sem alcançar grande sucesso na época, a letra de Miguel Gustavo descreve a entrada do rock na cena carioca, e no Brasil, com sua fúria incendiária.
“Revira o corpo, estica o braço, encolhe a perna e joga para o ar … Eu quero ver qual é o primeiro que essa dança vai alucinar … E continua a garotada na calçada a se desabafar … Eu vou cantando, até agora não parei nem para respirar”, diz um trecho da letra.
Além de ‘Rock and Roll em Copacabana’, Cauby Peixoto, então o cantor mais popular do país, ainda gravou ‘Enrolando o Rock’ (1957) e ‘Mack the Knife’ (1960).
Rock and Roll em Copacabana
(Miguel Gustavo)
Sol, Sol, Sol,Sol, Rock and Roll Roll Roll Roll (bis)
…
Olha na porta do cinema, começou dançando rock and roll
Era de dia, ninguém via, mas fazia alucinado som
Foi nessa porta de cinema, começou dançando rock and roll
…
Sol, Sol, Sol,Sol, Rock and Roll Roll Roll Roll (bis)
…
Revira o corpo, estica o braço, encolhe a perna e joga para o ar
Eu quero ver qual é o primeiro que essa dança vai alucinar
E continua a garotada na calçada a se desabafar
Eu vou cantando, até agora não parei nem para respirar
…
Eu quero ver, quero saber, onde essa dança doida vai chegar
Revira o corpo, aperta a mão, estica o pé, agora vai dobrar
Até eu mesmo nessa dança disparei, sem me recordar
Quis todo mundo, nesse mundo, e nesse rock vou desencarnar
…
Rock and Roll, vou dançar
Rock and Roll, vou vibrar
- O marco zero do rock instrumental
O primeiro rock instrumental gravado no Brasil é ‘Here Are The Blue Jeans Rockers’, tema do grupo homônimo, liderada por Luizinho, depois Luizinho e Seus Dinamites, nos anos sessenta.
Originário do Rio de Janeiro, o grupo foi um dos mais destacados da nascente cena roqueira, chegando a acompanhar Neil Sedaka em shows na cidade.
Não por acaso, o rock solado por um piano, tinha à frente do instrumento o tecladista Lafayette, mais tarde um dos grandes artífices da sonoridade da Jovem Guarda.
Também faziam parte do The Blue Jeans Rockers, o guitarrista Euclides, que tocou posteriormente nos Dinamites, e depois com o The Pop’s, Jair (guitarra base), José Antônio (baixo) e Carlinhos (bateria).
Lançado em 1958, no formato 78rpm, o disco é uma das maiores raridades do rock nacional. De autoria do grupo, a música é o lado ‘b’ do disco, que abria com versão para ‘Blue Suede Shoes’, um original do americano Carl Perkins.
- Absolutamente certo: o rock nas telas
O filme ‘Absolutamente Certo’, de Anselmo Duarte (argumento, roteiro e direção), foi o primeiro a incluir o rock and roll em trilha sonora.
Espécie de ‘Show do Milhão’ dos anos cinqüenta, o filme conta a história de Zé do Lino (o próprio Anselmo), um linotipista que participa do programa respondendo sobre números de telefone (ele sabe a lista de cor).
A cena em que aparece Betinho e Seu Conjunto tocando ‘Enrolando o Rock’ mostra uma festinha na academia de um dos personagens do filme, o filho (mau) do dono da gráfica. Diferente dos musicais americanos, a música é executada ao vivo, como se fizesse parte do enredo do filme.
Além de Anselmo Duarte, o filme tem participação de Dercy Gonçalves, Odete Lara, Aurélio Texeira, Maria Dilnah, Fregolente, Jaime Barcelos, José Policena e Luiz Orioni.
O filme foi relançado no final dos anos noventa pela revista IstoÉ na série ‘Cinema Brasileiro’ (número 17), mas já se encontra fora de catálogo. A música foi lançada no álbum ‘Betinho, Rock & Calypso’.
- Tony & Celly Campello, a juventude ocupa o seu espaço
O clássico ‘Rock and Roll em Copacabana’, de Miguel Gustavo, com Cauby Peixoto, foi o primeiro rock com letra em português. Mas, é com 45rpm de estréia dos irmãos Tony e Celly Campello (um de cada lado do disquinho) que nasce o rock ‘made in Brasil’.
Apesar de cantado em inglês, mas de autoria dos brasileiros Mário Gennari Filho (maestro) e Celeste Novaes, as músicas ‘Forgive Me’ e ‘Handsome Boy’, afirma a presença de intérpretes jovens na cena, até então ocupada por artistas mais velhos, e de outros gêneros.
O disco lançado pela Odeon antecedeu, por exemplo, Sérgio Murilo, que gravou o mega-hit ‘Marcianita’ somente em 1959. A obra representa para o rock brasileiro, de certa forma, o que significou o primeiro compacto de Elvis Presley para toda a história do rock.
Tony Campello transformou-se em ídolo do rock nacional, comandando programas em rádio e televisão, especialmente o famoso ‘Crush em Hi-Fi’, na TV Record. Celly Campello, com ‘Banho de Lua’ e ‘Estúpido Cúpido’, vive até hoje no imaginário popular.
- Os primeiros Rei e Rainha do rock
Antes de Roberto Carlos e Rita Lee, os modernos e definitivos reis e rainha, o rock brasileiro teve a sua primeira dinastia de majestades, na virada dos 50 para os 60.
Eram eles, Sérgio Murilo e Celly Campello, que subiram ao trono no início dos anos sessenta, eleitos pela já citada ‘Revista do Rock’, de Janete Adib, a publicação mais importante da época.
O carioca Sérgio Murilo conquistou o sucesso e a fama por conta, especialmente, da gravação de ‘Marcianita’, versão para um original de clássico da música italiana.
Paulista do interior do estado, Celly chegou ao disco em 1958, junto com o irmão Tony Campello, mas atingiu as paradas de sucesso nacionais com versões e covers para clássicos do rock americano, com destaque para ‘Banho de Lua’, ‘Estúpido Cupido’ e ‘Broto Legal’.
O reinado dos dois, no entanto, durou pouco, por motivos diferentes: Celly abandonou a carreira no auge para se casar, e Sérgio Murilo acabou atropelado pela Jovem Guarda e seus líder maior, Roberto Carlos.
- Os jovens comandam programas de TV
Em 1959, surge o mais importante programa de televisão comandado por jovens, depois do grande sucesso de iniciativas semelhantes, especialmente no rádio, no Rio de Janeiro, em São Paulo e outras capitais, que projetaram os primeiros DJ’s do país.
No caso, o programa se chamava ‘Crush em Hi-Fi’ (Crush era uma marca de refrigerante tipicamente paulista), e tinha como apresentadores os irmãos Tony e Celly Campello, que acabavam de lançar seus primeiros discos, com enorme sucesso.
O programa durou até 1962, alimentado os adolescentes com as novidades do rock nacional e, também, internacional – a Record trazia atrações internacionais ao Brasil, como Johnny Ray, Bill Halley & His Comets e Frank Avalon.
Outros programas existiram na mesma época, mas este de forma especial ficou gravado na memória das pessoas e na história, como muito bem registra Albert Pavão em seu livro ‘Rock Brasileiro – 1955/65’, um dos mais importantes roqueiras de São Paulo, que viveu a época em toda a sua plenitude.
- A primeira revista especializada em rock
A primeira edição da legendária ‘Revista do Rock’ chegou às bancas em agosto de 1960, criada pela jornalista e compositora Janette Adib, que chegou a ser parceira de Roberto Carlos.
A ‘Revista do Rock’ foi a primeira publicação nacional especializada em rock, trazendo em suas páginas notícias dos artistas jovens, letras de músicas, fofocas em geral e cartas de fans. Em uma de duas edições, mostrava na capa Sérgio Murilo e Celly Campello, os primeiros rei e rainha do rock brasileiro.
A revista teve vida longa, durando cerca de 14 anos, com maior importância no início dos anos sessenta. Adib editava a revista ‘Eu Canto’, em 1959, com letras de músicas.
Como as letras de rock eram as mais solicitadas, fez duas edições da revista apenas com o novo ritmo. O sucesso foi tanto, que ela decidiu criar uma revista especializada.
Outras publicações também destacaram-se na divulgação do rock, especialmente ‘Baby Face’ e ‘Rock News’. Editadas no início dos anos sessenta, as duas publicações traziam informações sobre o rock estrangeiro e nacional.
- Young, selo nacional e rock em inglês
O Brasil não conviveu toda sua vida apenas com grandes gravadoras multinacionais, como ocorre neste mundo moderno de grandes monopólios, cartéis e ditadura cultural.
Além da lendária Rozenblit, de Pernambuco, outra gravadora apostou em criar um caminho nacional para divulgar a produção musical brasileira, especialmente o nascente rock dos anos 50 e 60.
A gravadora/selo atendia pelo nome de Young e nasceu em em 1959, em São Paulo, por iniciativa de Miguel Vaccaro Neto, também disc-jóquei na época.
Voltada para o publico jovem e adolescente, a Young lançou diversos artistas, em sua maioria cantando em inglês, que se tornaram, em alguns casos, ídolos da juventude, como Demétrius, especialmente.
Mais conhecido pelo mega-hit ‘Ritmos da Chuva’, Demétrius estreou no selo com ‘Hold Me So Tight’, que o levou a ser confundido com Elvis Presley. Também integraram o ‘cast’ da Young grupos como The Avalons, clássico do rock instrumental.
- Os primeiros festivais de rock
Os primeiros festivais de rock no país, a rigor, foram dois, um ainda nos anos 50, e o segundo já nos anos 60 – um no rádio, outro na TV.
Em 1960, o ‘Primeiro Festival de Rock’, promovido pela Rádio Mayrink Veiga, agitou a cena jovem carioca, mobilizando os nascentes grupos e intérpretes do rock nacional.
Já o ‘Primeiro Festival de Conjuntos da Jovem Guarda’, promovido pela TV Record, em 1966, e comandado por Roberto Carlos, envolveu todo o país, com a realização de eliminatórias regionais em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
Em 30 de setembro, o festival chegava ao seu final, com vitória do paulistano Loupha, liderado por Marcos Ficarelli, o Vermelho (veja entrevista em Arquivo F/Entrevistas), com a música ‘I Can’t Let Go’ (cover do The Hollies).
Em segundo lugar ficou o gaúcho The Cleans, em terceiro o também paulistano The Beatcousins, e na categoria intérprete, o mineiro Vic Barone.
A final, realizada em São Paulo, foi apresentada por Roberto Carlos que, segundo Ficarelli, entregou o prêmio, ao vencedor, sem olhar para a banda.
- A estréia do Rei Roberto cantando Bossa Nova
O primeiro 78rpm de Roberto Carlos chegou ao mundo em outubro de 1959, com as músicas ‘João e Maria’ (de Roberto e Carlos Imperial) e ‘Fora do Tom’ (também de Imperial).
Influenciado pela nascente e poderosa Bossa Nova, as duas músicas tem mais a ver com a sonoridade e o jeito de cantar de João Gilberto do que com o rock and roll ou a futura Jovem Guarda.
O disco de estréia, o inédito ‘Louco de Amor’, ainda mantinha a sonoridade bossa nova, mas já introduzia sonoridades na linha do rock, por meio de versões de clássicos americanos.
O interessante nessa história é que Roberto Carlos era conhecido no Rio de Janeiro com o ‘Elvis brasileiro’, referência que retomou a tempo de gestar, com a Jovem Guarda, a melhor cena sixtie do planeta, fora do eixo Inglaterra-EUA.

- Ouça na playlist acima uma seleção com hits, clássicos e curiosidades dos primeiros passos do rock brasileiro (clique na imagem)
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