Um dia, dois estranhos caminhos se cruzaram na encruzilhada do rock. De um lado, Buddy Holly e suas belas melodias. De outro, Link Wray e sua barulhenta fuzz-guitar. Aquilo, de certa forma, já tinha antecedentes, mas não de forma tão explícita e perfeita. Era a década de oitenta, enquanto The Smiths e alguns outros também surgiam para a história, no mundo pop imperava a new-wave e outros sub gêneros. Havia, claro, como sempre, um “lado b”, ainda pouco conhecido, que salvou a década – Rhino Records lançou a caixa Childrens of Nuggets, que dá uma geral neste obscuro universo.

Mas, em meio à quase perdição da essência mais original do rock, uma banda repetiu o que outras tinham feito décadas antes. Quando tudo parecia certinho, sob controle, os caras chutaram os amplificadores e entortaram tudo de novo. Assim tinha sido com os Ramones, nos anos setenta, que bateram de frente com a mesmice que tinha tomado conta do ambiente. E, antes, com os Beatles (e Jimi Hendrix, por certo) que frustraram a hegemonia dos cantores branquelos americanos e suas insossas musiquinhas.

Os caras atendiam pelo nome de Jesus & Mary Chain, vinham da Escócia e, mesmo sem prometer nada, abriram uma nova era para o rock. O segredo da surpresa era a simbiose perfeita entre maravilhosas melodias, quase sussurradas, soterradas pela velha e clássica distorção. Os irmãos Jim e William Reid (voz e guitarras), mais Douglas Hart (baixo) e Bobby Gillespie (bateria) despejavam nos ouvidos do mundo tudo que aprenderam ouvindo os clássicos do rock and roll, Paul McCartney & seguidores e, especialmente, a garageira sessentista, até então quase secreta.

O instrumento do ataque foi o disco de estréia – Psychocandy, um nome perfeito para traduzir o que continha o então ainda LP. Com uma das capas mais espertas da história do rock, pela sutileza e simplicidade, o disco trazia quinze canções. De Just Like Honey, a primeira, até It’s So Hard, passando por In a Hole (talvez a mais barulhenta), o sulco do vinil reverberava ousadia, energia e frescor. Ali estavam, juntas, em canções de três minutos ou menos, a melodia, a distorção e a atitude punk, tudo o que de melhor o rock havia acumulado em seus trinta anos de vida.

Apesar disso, o disco era resultado de apenas dois anos de carreira da banda, que havia pisado num palco pela primeira vez em 1984, no Glasgow’s Nightmovers, em sua cidade natal. Em junho daquele mesmo ano, já em Londres, a banda cruza com Alan McGee, dono da lendária Creation que, imediatamente, contrata os meninos e assume diretamente o posto de empresário. Em novembro, a banda lança o primeiro single, com as músicas Upside Down e Vegetable Man no lado b – um cover do ex-Pink Floyd, Syd Barret.

Em fevereiro do ano seguinte, o single chega ao topo da parada alternativa britânica e abre o caminho para a sociedade da Creation com a WEA americana, via o sub-selo “blanco y negro”. O disco é lançado no final do ano, depois de mais três singles – Never Understand (em março), You Trip Me Up (junho) e Just Like Honey (outubro), uma estranha balada que acabou escolhida para abrir Psychocandy. O disco foi bem recebido pela crítica especializada inglesa e chegou ao trigésimo primeiro lugar na parada britânica.

Em setembro de 1987, sem Bobby Gillespie, que passou a dedicar-se ao seu grupo, Primal Scream (veja o clipe abaixo), a banda lança o segundo álbum, Darklands. O disco surpreende pela ausência quase total de microfonias e pelo clima “baladeiro” das canções, mas conquista um novo tipo de público. Em março de 1990, sai Automatic e, em abril de 1992, Honey’s Dead, depois Stoned & Dethroned e, ainda o também genial Munki que, ao lado das antologias Barbed Wire Kissed e The Sound of Speed (dois manuais de “guerrilha” pop, com hits e lados “b”) são as melhores obras da banda.

The Jesus & Mary Chain poderia, no entanto, ter gravado apenas o primeiro álbum, que sua missão já estaria cumprida. Depois dele, veio o grunge, as guitarras renasceram, bandas também barulhentas ganharam mais espaço e o rock teve mais uma chance. A sua influência reverberou até a virada do Século XXI do que são exemplos as bandas The Raveonettes (talvez a sua releitura mais perfeita) e Black Rebel Motorcycle Club. Na dúvida, ouça 21 Singles e converta-se para sempre (ou a seleção abaixo, com os destaques de Senhor F).

Foto: Senhor F Social Club

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Trending