Gabriel O’Meara é um nome presente no imaginário roqueiro nacional. Viveu no Brasil de 71 até 91, depois de chegar ao Rio de Janeiro para passar férias. Escrevia para o jornal Rolling Stone nacional, tocava com a lendária banda Peso e tem seu nome nos créditos do clássico 1990 – Projeto Salva Terra, de Erasmo Carlos. Isso, entre outras coisas, que vocês descobrirão nesta entrevista feita com ele, alguns dias após o atentado de NY e Washington (11 de setembro de 2001).
O guitarrista Gabriel O’Meara, além de tocar com o Peso, emprestou sua guitarra para muita gente, especialmente Erasmo Carlos, Raul Seixas e Tim Maia. Mas, também, foi um grande produtor de samba (vejam só!), provando que a música, como ele mesmo diz, é a maior demonstração de convivência e sintonia entre as pessoas. Entre as suas ‘obras’ está, por exemplo, ‘Reunião de Bacana’ (… ‘se gritar pela ladrão, não fica um meu irmão …’), clássico de Ari do Cavaco, gravado pelo grupo Exporta Samba.
Na época, espécie de ‘pauta do desejo’ da redação de Senhor F, foi descoberto por acaso durante uma viagem sem rumo pela rede. Contatado imediatamente, Gabriel não só prontificou-se a responder nossas perguntas, como o fez com muito gosto. Como se estivéssemos numa mesa de bar, ele foi lembrando das histórias, todas cheias de sabor e detalhes valiosíssimos. Foi um prazer ler em primeira mão, o que certamente se repetirá com cada um de vocês.
PS 2 – Como dito acima, esta entrevista foi publicada no mês de setembro de 2001. Logo após, publicamos um primeiro artigo de Gabriel sobre a sua relação com Tim Maia. Desde, não tivemos mais contato com ele (após a republicação desta entrevista, Gabriel comentou no Facebook: “Linda entrevista. A minha neta mostra pra todo mundo na faculdade“.)
PS 3 – As entrevistas que estamos republicando foram feitas entre o final dos anos noventa e primeiros anos de 2000. Portanto, tem fatos e datas que devem ser consideradas a seu tempo, pois não atualizamos.
- O disco – O Peso / Em Busca do Tempo Perdido
Lançado em 1975, com uma capa criativa e provocativa, Em Busca do Tempo Perdido é um dos mais raros e melhores álbuns produzidos na terceira geração do rock brasileiro. O disco, produzido por Guti, traz o grupo em sua formação clássica, com o cantor Luiz Carlos Porto, o guitarrista Gabriel O’Meara, além de Carlinhos Scart (baixo), Constant Papineau (piano) e Carlos Graça (bateria).
O álbum traz o hit Cabeça Feita (de Gastão Lamounier/Tibério Gaspar) ao vivo, além de hard rock e belíssimas baladas à la Faces, e um longo blues, com a participação de Zé da Gaita na própria, dedicado “com respeito” a B. B. King. Outro ídolo da banda, que se faz presente com sua influência no disco é o guitarrista Jeff Beck, também citado entre os agradecimentos especiais, ao lado de Eramos Carlos, com que O’Meara tocou no clássico Projeto Salva-Terra.
O grupo formado em Fortaleza participou do VII Festival da Canção com a música O Pente, e dos grandes shows ao vivo da época, destacando-se pela energia e qualidade técnica, especialmente de seu guitarrista. Também tocaram com Zé Ramalho, no início da carreira, em shows no Morro da Urca, no Rio de Janeiro.
A ENTREVISTA:
Senhor F – Como você veio parar no Brasil, em pleno anos 70? Como você ingressou no Peso?
Gabriel O’Meara – Eu cheguei no Rio de Janeiro no final de 1971. Vim pra passar as férias e acabei ficando vinte anos! Meu ‘batismo’ musical no Brasil foi em 1972. Gal Costa tinha lançado um LP chamado ‘Gal Fatal’. Era um LP ‘pauleira’ e ao vivo onde a Gal misturava rock, tropicalismo e blues como ‘Hotel das Estrelas’. Lanny Gordin era o guitarrista que fez o disco originalmente. Desafortunadamente, Lanny retirou-se para cuidar da saúde. Pepeu Gomes o substituiu mas, na época, Galvão e Moraes Moreira já estavam formando Os Novos Baianos. Recrutaram o Pepeu e ele pediu dispensa da banda da Gal. Acontece que tinha uma tournée marcada pelo Brasil e Argentina. Andaram atrás de um guitarrista para a Gal, quando meu nome foi parar no ouvido de seu empresário. O Macalé me ouviu numa ‘jam session’ e mencionou meu nome ao empresário da Gal. Entraram em contacto e fui requisitado a assistir um ensaio. Preciso dizer que eu não falava português e que o samba era um ritmo que não dominava. O baixista Novelli ensaiava a banda e escreveu umas partituras que me foram dadas na hora. Sorte que as músicas eram as mais roqueiras e me sai bem. Fui contratado naquele dia. A tournée foi bastante agitada, casa cheia em Fortaleza, Recife, Natal, Bahia e outros lados. Gal era totalmente dedicada a sua música e seu show. Não deixava o mínimo detalhe passar e ensaiava a banda até o cansaço tomar conta dos músicos. Gal era uma deusa em pessoa. Além da admiração que os músicos tinham por ela, todos nós ficávamos melindrados com a sua imponente sensualidade. Por outro lado, ao mesmo tempo em que era exigente e ‘business’, também sabia ser carinhosa e muito humana. Embora a Gal ficasse meio distante de nós, uma tarde no Recife, ao notar minha melancolia por estar ‘on the road’ e longe dos meus, aproximou-se e começamos a conversar. Falamos durante horas sobre Caymmi, João Gilberto e outros. Num dado momento pegou o violão e me ensinou a tocar uma música do Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito intitulada ‘A Flor e Espinho’. Ela disse: “Gabriel, a música brasileira é a mais bonita e rica do mundo”. Foi nesse exato momento que me apaixonei pela música brasileira e seus ritmos. Além do mais, tive uma leve paixonite pela Gal, mas qual era o mortal que não se apaixonava por ela? Após alguns shows e uma apresentação do FIC (Festival Internacional da Canção) a Gal tomou umas merecidas férias e dispensou a banda. Nas minhas andanças musicais tive a sorte de conhecer cantoras como Aretha Franklin e Célia Cruz de perto. Posso afirmar que a Gal está no mesmo nível destas cantoras. Sua voz no tema da novela ‘Porto dos Milagres’ conserva o mesmo brilho e timbre cristalino de vinte e cinco anos atrás. Se a Gal tivesse nascido nos Estados Unidos, seria tão famosa quanto a Gloria Estefan ou a Mariah Carey. Nessas alturas, eu estava gravando bastante como músico de estúdio. Gravava trilhas sonoras para cinema, novelas, jingles e com artistas como o Odair José e até a cantora de jazz americana Sarah Vaughn.
Senhor F – Qual é a história do Peso? Quando foi formada a banda? Gravaram apenas um LP e um compacto? Deixaram algum trabalho inédito? Existe alguma possibilidade, alguma tratativa, de relançar o LP em CD?
Gabriel O’Meara – Uma dupla de cearenses chamado ‘O Peso’ tinha se apresentado num festival da Globo com a música ‘O Pente’, uma música que aludia ao ato de fechar um cigarro feito artezanalmente com um pente. Humm … O produtor Guti achou que a dupla precisava de uma banda permanente e contatou-me para falar sobre o projeto. Recrutamos outros músicos conhecidos e a formação do Peso ficou assim: Luis Carlos Porto (vocais), Carlinhos Scart (baixo), Gordo (piano), Geraldo D’Arbilly (bateria), Gabriel O’Meara (guitarra). Ensaiávamos todos os dias e aos poucos Luis Carlos e eu formamos uma parceria do tipo (sem ter as mesmas pretensões) Jimmy Page e Robert Plant. O som também estava mudando. Fazíamos um rock mais pesado, altamente influenciado pelo Led Zeppelin, Jeff Beck, Rod Stewart e Eric Clapton. Devido as mudanças de sonoridade e temperamentos individuais, Geraldo e Gordo saíram do grupo e foram substituídos pelo Constant Papineau (eclados) e Carlos Graça (bateria). Carlinhos tocava com a Marisa Gata Mansa, Constant tocava em vários grupos da época. Prezávamos muito pela técnica de estúdio e nos preocupamos em capturar a essência da empolgação ao gravar nosso LP intitulado ‘O Peso – Em Busca do Tempo Perdido’. O título do LP foi inspirado na obra do francês Marcel Proust, publicada entre 1913 e 1927, em sete volumes (é o maior romance do século e um autor que venero até hoje). O LP foi gravado em 8 canais e praticamente ao vivo. Os playbacks eram quase todos de guitarra, o resto era ao vivo mesmo. Incluímos algumas novidades em algumas faixas. Colocamos a voz ‘soulizada’ do Tony Bizarro (da dupla Tony & Frankie) numa das faixas fazendo vocal com o Luis Carlos. Recrutamos o coral dos Meninos de Deus que incluía o Jeremy Spencer do grupo Fleetwood Mac, o produtor Fernando Adour e um camarada chamado Len Renfro, que encontrei vinte e cinco anos depois em Memphis, Tennessee, onde moro atualmente. Sou muito amigo do seu filho, o cantor e guitarrista Toby Renfro. O Zé Roberto do grupo Azimuth tocou teclados numa das faixas. Um misterioso porteiro do estúdio conhecido como “Gengibre” tocou atabaques em outra faixa. Um fato interessante é que alguns solos não soavam bem com o timbre da minha guitarra Les Paul. O Lulu Santos me emprestou sua guitarra Fender e consegui fazer os solos do jeito que eu queria. Grande Lulu! Fizemos alguns shows (sempre lotados), mas nossos egos inflacionados acabaram por implodir uma das melhores bandas de rock que o Brasil já conheceu. Pena porque estávamos planejando um disco mais apoiado num som acústico como o ultimo do Led Zeppelin (na época), aquele com o velhinho na capa catando gravetos. Minha última atuação relacionada ao Peso foi quando Luis Carlos foi contratado pela CBS e pediu que eu produzisse seu disco. Fizemos um compacto com belos arranjos do maestro Eduardo Souto Neto, mas infelizmente a receptividade não foi muito boa.
Senhor F – Como era a receptividade da banda na época? Alguma música chegou a fazer sucesso? Quais os principais shows que participaram? Como foi a participação no Hollywood Rock? O grupo acompanhou algum artista em shows?
Gabriel O’Meara – A banda tinha uma fama mitológica de ser um grupo marginal e arruaceiro. Cultivamos essa imagem para a imprensa, mas no computo final, o tiro saiu pela culatra. Os empresários tinham pavor da gente. Havia histórias que Luis Carlos consumia tremendas quantidades de drogas, que eu era um tarado sexual e os outros da banda não ficavam atrás. Ficou difícil conseguir quem se arriscasse a nos contratar. Fizemos o ‘Hollywood Rock’, um mega-evento num campo de futebol (NR – do Botafogo) onde participaram os maiores nomes do rock da época. Rita Lee, Erasmo Carlos, Raul Seixas, o grupo Vímana (com o Lulu Santos, Lobão e Ritchie) entre outros. O filme que foi rodado ‘Hollywood Rock’ é a melhor testemunha do nosso poder. Parecia um show punk dos anos 90. Fomos a banda que mais agitou o público, chegando os seguranças a pedir reforços porque não conseguiam deter os espectadores que invadiam o palco. Fomos escoltados pela PM ao sair. Uma música que pegou no festival foi a única não escrita por Luis Carlos e eu: ‘Cabeça Feita’, de Guilherme Lamonier e Tibério Gaspar. Nosso produtor, o Guti, aproveitou o embalo e lançou a música com som de ao vivo e tocou bastante nas rádios. O Peso era uma banda de músicos muito hábeis. Gravamos alguns discos do tipo ‘cover’ para a Polygram com músicas do Barry White, sucessos de ‘Disco Music’, etc. Ensaiamos um show com Erasmo Carlos que por motivos de intempérie e chuvas devastadoras não se realizou. Espero que o Charles Gavin (Titãs) remasterize o LP do Peso. O disco é muito diferente dos outros que foram gravados nessa época. Merece ser relançado.
Senhor F – Além do Peso, com que outros artistas você tocou na época? É sua a guitarra em 1990, Projeto Salva-Terra, de Erasmo Carlos, não? Você também tocou com Leno, ex-Leno & Lilian? Com que mais você trabalhou, em disco e em shows?
Gabriel O’Meara – Um dos artistas que O Peso acompanhou foi o Zé Ramalho. Zé morava embaixo de uma escadaria no Teatro Opinião. Na época era um cara ‘dark’, anos antes da moda pegar. Andava com uma capa preta e parecia uma reencarnação do Tenório Cavalcante, o famoso prefeito de Duque de Caxias. Zé escreveu, patrocinou e lançou um show no Teatro Opinião chamado ‘Sopa de Morcegos’. Estava procurando um contrato para gravar, mas as gravadoras não entendiam as suas músicas. Na verdade, nem nós entendíamos muito bem as criações dessa usina de som. Zé percorria os sebos a procura de velhos discos de blues, jazz e rock e conseguia fundir todas essas informações numa paisagem saturada de sons nordestinos. Fizemos uma bela temporada com Zé Ramalho. Fico muito satisfeito que Zé Ramalho tenha alcançado o sucesso sem se render aos modismos impostos pelas gravadoras. A gravação do ‘Projeto Salva Terra’ com Erasmo foi um marco para o Erasmo e o rock brasileiro. Erasmo, que após a Jovem Guarda era visto como o meloso parceiro do Roberto Carlos, e mais conhecido pela linda balada ‘Sentado à Beira do Caminho’, resolveu mostrar seu lado roqueiro sem nenhum resguardo. O disco foi um escândalo porque a gravadora achou o LP muito revolucionário. Também rolava um papo que o Roberto estava preocupado com a imagem quase ‘guevarista’ que o Erasmo emulava. Na realidade, os críticos levaram tudo muito a sério. A música sim, era bastante diferente de tudo que o Erasmo tinha feito no passado. Tive uns dos meus melhores momentos como guitarrista neste projeto. Antes de tudo, Erasmo é um grande compositor. Ele tem um amplo conhecimento da música universal podendo citar músicas do cantor e pioneiro chileno Raul Shaw Moreno, até as músicas do recém falecido saxofonista Junior Walker. Pouca gente conhece a amplitude musical e a grande bondade espiritual do Tremendão. O Gileno, o Leno do Leno e Lílian, gravou um belo disco do mais puro rock n’ roll tupiniquim. Gileno pesquisava grupos como The Eagles e o resultado foi um disco mais nessa onda do que o rock mais agressivo do Erasmo. Usamos muito ‘slide guitar’ (influência do George Harrison) e Leno conseguiu gravar um disco muito homogêneo e balançado. O LP se chama Meu nome é Gileno, uma afirmação da quebra do seu passado pop com a dupla Leno e Lílian. Leno gravou uma belíssima reedição do clássico Luar do Sertão, do compositor Catulo da Paixão. Como guitarrista gravei com dezenas de artistas, incluindo Maria Bethânia, Alcione, Fábio Jr., Marcos Valle, Nelson Gonçalves, e qualquer um que tivesse uma partitura e um cachê.
Senhor F – Especialmente, como foi trabalhar com Raul Seixas, Tim Maia, Cassiano e Zé Ramalho? Você participou da gravação de discos, ou apenas de shows ao vivo? Se foi em disco, quais você destacaria como mais importantes, ou mais marcantes?
Gabriel O’Meara – Raul Seixas foi um dos personagens mais trágicos que conheci na minha vida. Eu vi o Raulzito, produtor da Wanderléa subir ao topo com suas músicas letradas pelo mega escritor Paulo Coelho, e o vi cair numa vertiginosa decadência moral e mental. Até hoje me pergunto, qual era o gatilho auto destrutivo que Raul detonava cada vez mais freqüentemente? Eu sei que seus casamentos, as drogas e o deslumbre de ser um verdadeiro ‘pop star’ contribuíram para a confusão mental que se encarregou de dominá-lo. Raul era radical em conservar o rock dos anos 50. Não arredava o pé. “O rock morreu com Elvis Presley” dizia ele. Assim mesmo, no auge da carreira se reportava aos orixás baianos gravando músicas como ‘Mosca na Sopa’ com palmas de candomblé e tudo. Ele e o Paulo Coelho faziam músicas no estúdio entre uma mordida e outra num pastel de queijo. Por vezes as sessões eram produtivas outras vezes eram desastrosas. Lembro-me uma sessão que o Raul chegou completamente embriagado no Estúdio Hawaii, perto da Central do Brasil, segurando uma garrafa de vodka. Eram 9 horas da manhã. O clima estava tenso no estúdio porque Raul esquecia as letras e partia para uns improvisos ‘bluseiros’ que eram gritos e brados não tendo nada que ver com a música que estava escrita na partitura. O maestro era o argentino Miguel Cidras, um arranjador de primeira que trabalhou com muitos artistas da época, incluindo Tim Maia, Fábio Jr., Cassiano e a Orquestra Sinfônica de São Paulo. Chegou uma hora que o Raul parou de cantar e gritar. Fui ver o que estava acontecendo atrás do biombo que o escondia, e o Raul estava desmaiado no chão. Tive uma terrível sensação e essa imagem ficou gravada no meu mais profundo interior. Apesar de tudo, Raul Seixas deixou um legado de músicas muito importantes. Parte do Peso acompanhou Raul pelo Brasil. Como guitarrista, eu o acompanhei nestes shows e em diversas gravações. Precisamos lembrar que a gravação de um disco pop é um acontecimento bastante diferente de outras atividades cotidianas. Existe muita paixão, grandes parcelas de genialidade e grandes parcelas de loucura, além de uma harmonia e ligação entre os músicos raramente existentes em outras atividades. O clima volátil pode de um momento para o outro mudar da harmonia e cooperação para um clima carregado de confusões e inquietudes. Ainda mais se tiver uma ‘coisinha’ rolando no estúdio. As gravações do Tim Maia eram assim. Tim podia estar satisfeito com o resultado de uma gravação e poucos minutos depois começava a achar mil defeitos. O que era bonito antes, agora era cafona e fora de ritmo. Se o espaço permitisse tenho dezenas de histórias do Tim. Numa outra ocasião as contarei. (Nota da Redação: já está cedido o infinito espaço de Senhor F e da Internet). Tim gravou duas músicas de minha autoria: ‘Carinhos’ e ‘Eu só quero ver’. ‘Carinhos’ fiz com meu parceiro de muitas músicas, Prentice. Foi o título do LP do Tim e um grande sucesso de rádio, foi nomeada para o Prêmio Sharp, o Grammy brasileiro. Fiz para minha mulher Maria das Graças ao ser negado por ela. Também estava precisando pagar uma prestação atrasada do BNH! ‘Eu Só Quero Ver’ fiz com Ana Lins e Beto Cajueiro. Beto é um tremendo guitarrista. A música foi inspirada pela minha ex-namorada Ângela Lemos, ao deixar-me por outro. Tim dizia: “quando a Ângela ouvir a música ela vai voltar”. Estivemos em Búzios, onde armamos um show improvisado. Os músicos incluíam o Hyldon, Júnior Mendes, Fábio, e outros. No meio do show, quem é que me entra com uma turma? A Ângela. Sentou-se numa mesa com seu novo ‘love’ (um estudante de medicina mais ‘mauricinho’ que a porra). Falei pra Tim e ele começou a cantar a música. Infelizmente, o resultado não foi o esperado. Acabei me arrumando com a cabocla que era a sobrinha do dono do bar. Um dado interessante: o irmão da Ângela, Alexandre Lemos, fez a música ‘Novamente’, gravada recentemente com grande sucesso pelo Ney Matogrosso. Com certeza, fruto do legado musical que rolava no apartamento da Ângela. Tim e eu tivemos muitas aventuras. Íamos para Búzios e Saquarema com outros amigos, corríamos as boates da Princesa Isabel e as boates da moda em Ipanema, filávamos uma bóia na casa do Tibério Gaspar, fizemos muitas coisas que marcaram. Sinto uma tremenda saudade do gordo. Como músico, gravei umas músicas no LP ‘Tim Maia Disco Club’ e no LP ‘Reencontro’ que tem a música ‘Eu só quero ver’.
Senhor F – E a história com Cassiano?
Gabriel O’Meara – Meu grande amigo Cassiano! Sempre que se apresentava a oportunidade para gravar com Cassiano, tinha outro compromisso que me roubava a oportunidade de acompanhar o velho amigo. O recluso Cassiano também nunca fez um show após o lançamento do disco. Recentemente a Ângela (aquela de Búzios) mandou-me o disco do Cassiano, brilhantemente remasterizado pelo Charles Gavin, dos Titãs. Quantas memórias o disco me traz. O LP ‘Cuban Soul’ foi em grande parte criado num pequeno quarto na avenida Prado Júnior. Era o apartamento do parceiro do Cassiano, Paulinho ‘Motoca’ Zdanowsky, depois cantor e guitarrista, junto ao Cláudio Zolli, no conjunto Brylho. Foi para esse mesmo apartamento que arrastei o Joe Cocker e o saxofonista Bobby Keys (dos Rolling Stones) pra tocar com Cassiano. Paulinho tem uma foto engraçadíssima do Joe Cocker engasgando num tremendo ‘charuto’ que alguém apertou pra ele. Algumas partes foram escritas no apartamento da Ângela, minha eterna ex-namorada e grande amiga. Talvez Fernando Rosa me dê a chance de contar a trajetória deste histórico disco que não teve minha participação como músico, mas sim como fã desde a primeira estrofe (Nota da Redação 2: a casa é sua, Gabriel, escreva quando e o quanto quiser).
Senhor F – Você também atuou como produtor de samba? Como foi a transição do rock para o samba? Com quem, no samba, você atuou, seja como produtor, ou como músico? Dos discos que você participou, quais foram mais importantes em sua visão?
Gabriel O’Meara – Por volta de 1980 foi procurado pelo ‘Camarão’, irmão do Cassiano, para produzir um LP do conjunto dele. O grupo se chamava Táxi (não confundir com a banda paulista Rádio Táxi). O Táxi era um grupo vocal que tinha como componentes o Camarão e o Amaro, dois componentes dos antigos Diagonais, mais um cantor chamado Max. O som era tipo Commodores ou Earth Wind & Fire. No meio da gravação do LP, o cantor Max veio a falecer tragicamente. Procuramos outro cantor e encontramos o Aladdin, um crioulo bom de voz que cantava no conjunto de baile suburbano chamado O Charme. Aladdin era gamado no Al Green e tinha um timbre muito parecido com o dele. Os três entraram no estúdio em 1981 e começamos a gravar o LP. Os músicos eram o Beto Cajueiro e eu nas guitarras, Picolé na bateria, Robson Jorge e Julinho Teixeira nos teclados, Paulo César Barros e Jamil Joanes no baixo, e vários percussionistas. O LP, embora esquecido, ficou super bom. Infelizmente, a K-Tel não teve a força para promover o LP. Seria um bom investimento resgatar este disco que se encontra atualmente nos arquivos da Copacabana Discos. Foi através deste trabalho que a K-Tel me deu carta branca para produzir o que eu quisesse. Na época, a K-Tel tinha uns contratados gravando discoteca e pop descartável. Lembrei dos toques da Gal Costa naquela tarde no Recife, e resolvi partir pra o MPB, o samba carioca para ser mais exato. Dos muitos discos que gravei como produtor alguns deles se sobressaem no meu currículo. O LP que gravei com o Mestre Almir Guineto, os LPs que gravei com o conjunto Exporta Samba, os LPs do Wilson de Assis, e um disco de sambas de Roda da Bahia que gravei com o pesquisador e compositor baiano, Walmir Lima. Almir Guineto é para o samba moderno o que Noel Rosa foi para o samba de outrora. Canções como ‘Coisinha do Pai’, ‘Insensato Destino’ e ‘Lama nas Ruas’ tornaram-se clássicos do cancioneiro brasileiro. Almir domina o violão, cavaquinho e qualquer instrumento de percussão com a destreza dos grandes instrumentistas escolados em academias. Além disso, é um inovador, lançando o banjo como instrumento nas rodas de samba. Se existe uma voz que se reporta as raízes africanas, é a voz do Almir. A influência africana, do jongo e do caxambú se encontram muito enraizadas na sua poderosa voz. Ele praticamente inovou sozinho o estilo de samba que se grava hoje em dia. Sua influência aparece nas composições do Arlindo Cruz e Sombrinha, Marquinhos PQD, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e muitos outros. Com melodias trabalhadas e sempre cuidando do teor das letras em parceria com poetas como o Luverci Ernesto, Adalto Magalha e Beto sem Braço, as músicas do Almir elevam a qualidade da música brasileira a parâmetros artísticos da mais alta qualidade, numa época onde impera o chulo e corriqueiro. Foi uma grande honra ter contratado e lançado o Almir no seu primeiro LP individual. O grupo Exporta Samba foi minha coqueluche. O conjunto era (e ainda é) um grupo de rapazes criados em diversas escolas de samba. Embora individualmente não tivessem a tarimba de músicos mais experimentados, coletivamente vibravam com uma autenticidade que poucos grupos com exceção ao Fundo de Quintal conseguiam. O Exporta Samba ‘pagou muita estrada’ em bailes, onde o samba era o prato preferido. Do clube Bola Preta até pagodes em clubes do subúrbio, o grupo tocava e se deslocava de um baile para outro numa pequena frota de velhos Fuscas vermelhos que eles chamavam da frota dos “Pois é”. A TV Globo estava lançando o festival da Shell quando recebi um telefonema do Diretor Musical Guto Graça Melo que liderava a produção. Estava precisando colocar alguém da minha gravadora. Eu não tinha o tipo de artista que ele procurava. Guto escolheu uma cantora nova no pedaço e me entregava ela de bandeja. A artista era Sandra Sá e a música era ‘Demônio Colorido. Vi-me perante uma tremenda indecisão, pois a Sandra Sá não tinha gravado, mas certamente iria estourar. Meu problema é que eu estava totalmente dedicado ao samba, e não queria abrir mão da minha missão. Anos mais tarde, já consagrada como a grande cantora que ela é, Sandra de Sá gravou uma música minha e do Prentice, intitulada ‘Mora no Coração’. Passei na oferta e me recolhi com meu assistente Milton Manhães para traçar uma tática. Não tinha um samba bom e eu tinha prometido ao Guto que estava com um tremendo ‘hit’ na mão. E agora? Na véspera do dia que teria que entregar a música para TV Globo, o Milton me aparece no boteco do ‘Seu’ Agostinho, onde o maestro Ivan Paulo e eu bebíamos umas ‘brahmas’. Descem o Milton e uma figura, no mínimo exótica, de mais de dois metros de altura. O camarada era um branco de óculos de fundo de garrafa com um andar desajeitado e um sorriso de moleque na cara. Era o Ari do Cavaco. Eu conhecia o Ari através da sua composição ‘Nô na Cana’. Milton falou: “Gabriel, tá aqui a música do festival, escuta só”. Ary tirou o cavaco do saco e começou a cantar “se gritar pega ladrão, não fica um meu irmão, se gritar pega ladrão, não fica um”. Basta dizer que ao chegar no estribilho pela segunda vez o boteco inteiro entoava-o como se tivessem ouvido a música centenas de vezes. Eu sabia que estava com um tremendo sucesso na mão. Subimos de presa até o apartamento do maestro Ivan Paulo, cerveja na mão e tudo, e o arranjo foi feito aquela noite mesmo. No dia seguinte aluguei um estúdio, entrei com o Exporta Samba e gravamos a música. O resto é história. Embora não tenhamos ganho nenhum dos primeiros lugares, acho que chegamos em quinto lugar, ‘Reunião de Bacana’ foi a música mais cantada do festival. Acho que essa música seria bastante propícia para o quadro político atual. Três figuras foram de suma importância na minha ascensão no samba. O sambólogo e produtor Milton Manhães, o maestro Ivan Paulo e o ‘Quincy Jones brasileiro’, o maestro e produtor Rildo Hora. Milton Manhães, o Pezão, apresentou-me Almir Guineto, Fundo de Quintal, Beto Sem Braço, Geraldo Babão, Nei Lopes, Martinho da Vila, Lecy Brandão, Jorge Aragão e muitos outros. Nos quantro anos que me dediquei exclusivamente ao samba gravei com todos estes músicos legendários da música brasileira. Milton me assistia nas produções sempre me guiando pelo caminho certo e devo uma vida de gratidão ao compadre. Além de um grande músico e pesquisador, também se desenvolveu como um excelente produtor da mais autêntica música brasileira. Quase todos meus discos tiveram a participação do Ivan Paulo como arranjador. Eu e Ivan éramos vizinhos e morávamos no Beco das Garrafas, o berço da Bossa Nova. Passamos intermináveis noites no boteco do Seu Agostinho na Rua Duvivier, em Copacabana, conversando com o saudoso Rafael (7 Cordas) Rabelo, Betinho ‘Cabeça Branca’, o Braguinha, Beto Sem Braço e dezenas de outros bambas. Chegou uma hora que não dava mais porque dezenas de compositores nos cercavam para mostrar suas músicas para a nossa próxima produção. Na véspera de gravar o disco do Exporta Samba tinha uns trinta compositores no boteco. Seu Agostinho nunca vendeu tanta cerveja e cachaça. Lá pelas 20 horas formava-se um pagode que varava a madrugada. Isto em plena Copacabana! Ivan Paulo, filho do saudoso maestro Carioca, agraciou minhas produções com arranjos brilhantes e sempre mantendo a música na sua mais pura autenticidade. O mestre Rildo Hora é outra história. Não creio que exista dúvida sobre a genialidade deste músico. Os últimos discos do Zeca Pagodinho são obras primorosas que refletem a competência do Rildo. Embora não fôssemos muito próximos, Rildo me dava uns toques de produção sem o mínimo egoísmo. Dizia ele: “Gabriel, bota o ritmo na frente da mixagem, coloca o cavaco e o violão atrás”. Perguntei-lhe sobre o som desses ‘tacos’ nos discos da Beth Carvalho, e ele mostrou-me a técnica de gravar os tacos, e ainda me deu o esquema de colocação na mixagem. Os toques deste mago do estúdio foram de grande valor e uma importante influência no meu sucesso como produtor de samba. Não me importo em confessar que eu tentava imitar o padrão do Rildo Hora em minhas produções. Até hoje, outros produtores se reportam aos timbres e arranjos das produções do Rildo como referências absolutas do bom gosto e da técnica. Minha passagem pelo samba foi uma das melhores épocas da minha vida. Embora o mundo do samba possa ser por vezes ingrato e duro, as alegrias que vivi no Clube do Samba do saudoso João Nogueira, nas quadras das escolas e blocos, nos jantares com os bicheiros e patronos do samba, a amizade com os músicos, com as mulatas, os bambas, os bandidos e delegados, e nos rangos de domingo nos quintais dos subúrbios, estão gravadas nas minhas mais prezadas recordações. A única lamentação é de não ter gravado o disco do meu grande amigo Laudenir Cassimiro, o Beto Sem Braço. O disco se chamaria ‘Do jeito que eu sou’. Beto veio a falecer sem realizar este sonho. Embora não tenhamos acabado o disco, fico grato e muito orgulhoso em saber que o Beto Sem Braço escolheu-me entre tantos outros excelentes produtores para gravar seu disco.
Senhor F – Como foi sua participação como jornalista na revista Rolling Stone, edição brasileira? Sobre o que você escrevia na revista? Qual a importância da revista para a juventude brasileira naquele momento? Qual a sua lembrança daqueles dias em que a revista circulou – exatamente um ano (de fevereiro de 27 a fevereiro de 73)?
Gabriel O’Meara – Quando soube que a revista seria editada no Brasil, fui até a redação na Rua Visconde de Caravelas, no bairro de Botafogo. Conheci os redatores e rapidamente me enturmei. O corpo de redatores e colaboradores era Luis Carlos Maciel, Ana Maria Bahiana, Ezequiel Neves, Dropê, Lapi, Maurício e free-lancers que traziam redações ocasionais, como o Jorge Mautner, e outros. Minha coluna era de soul music. Também publiquei alguns ensaios e crônicas. Entrevistei o pianista Nicky Hopkins, Mick Jagger, David Clayton Thomas (Blood Sweat and Tears), Joe Cocker, Wilson Pickett e outros. Estávamos vivendo em pleno exercício do AI-15 e sob a lupa da censura. Por várias vezes fomos ‘visitados’ por agentes da temida DOPS. Parece que estávamos sempre sob a mira de alguém e muitas vezes tivemos que escrever textos na hora para compensar os textos que a censura tirava na última hora. Falávamos com o pessoal do Pasquim para receber orientação, mas nem sempre nossas táticas davam certo. O jornal era uma obra de amor, pois salário que era bom não rolava com muita pontualidade. Às vezes tirávamos dinheiro do bolso para sair com o jornal na data prevista. A Rolling Stone foi importante porque trazia notícias do mundo musical com um enfoque brasileiro. Embora eu e os donos fôssemos americanos, os redatores eram brasileiros. Tinha muita notícia dos movimentos musicais ‘underground’ brasileiros e, quando possível, da política e movimentos estudantis da época. Muita coisa era disseminada através das paginas da Rolling Stone. Em retrospecto, fomos pioneiros na publicação desse gênero. Tenho muitas boas lembranças desse tempo, quando a confraternização e a confiança total entre colegas, era imprescindível para nossa sobrevivência e segurança nesses tempos de repressão.
Senhor F – O que você faz atualmente, ainda trabalha com música nos Estados Unidos? Com que tipo de música está envolvido? Como você vê a cena roqueira atual, nos Estados Unidos, e no mundo? E do Brasil, tem alguma informação? Continua acompanhando, de alguma maneira, o que acontece por aqui, musicalmente? O que está ouvindo, no campo do rock atual? Você destacaria alguma banda atual que tenha lhe chamado a atenção?
Gabriel O’Meara – Atualmente, dirijo uma empresa de traduções técnicas. A AAA Translators Inc. Traduzimos mais de 150 idiomas e temos clientes no mundo inteiro. Nosso site é < www.translators.com >. Também sou fundador e vice-presidente do HBA (Hispanic Business Alliance), uma associação sem fins lucrativos de comerciantes latinos que cuida dos direitos e promove negócios nas comunidades hispanas no Sul dos Estados Unidos. Ainda faço algumas produções. Atualmente, moro em Memphis, Tennesse, terra do Elvis Presley, B.B. King, Booker T and The MG’s, Isaac Hayes e outros. De vez em quando, toco numa ‘jam band’. Escuto muita música e meu atual gênero favorito é a salsa. Estou produzindo um disco com uma cantora portoriquenha chamada Melina. Ela é uma espécie de Célia Cruz misturada com a Gloria Estefan. Gostaria de gravar um disco com um intérprete urbano brasileiro e misturar músicos brasileiros e latinos num ‘salsamba’. Acho que venderia em toda América Latina. Sandra de Sá ou Zizzi Possi seriam boas candidatas para este projeto. Meu parceiro Prentice já teve uma de suas músicas gravadas pelo Rey Ruiz, um cantor de salsa cubano radicado em Puerto Rico, que faz muito sucesso. Eu tenho acompanhado a música brasileira e confesso, sem querer parecer um velho ranzinza, que eu acho esses grupinhos de pagode pré-fabricados e as bandas de funky de bateria eletrônica um saco. Gosto muito do disco do Luis Melodia gravado ao vivo, o novo do Martinho, todos do Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Skank, Carla Visi, a filha do Djavan, Flavia Virginia, Pato Fu, Bebel Gilberto e ‘muchos más’.
Senhor F – Na sua opinião de guitarrista, também considerado um dos melhores de sua época, quais foram os grandes mestres do instrumento em sua opinião – do Brasil, e dos Estados Unidos?
Gabriel O’Meara – A guitarra tem evoluído muito. O instrumento é usado atualmente tanto como um instrumento percussivo, ciscando pequenas notas de apoio, ou como um instrumento de sonoridades de efeito. Nunca gostei de dizer que fulano é melhor que beltrano. Cada um tem seu lugar no panorama infinito do instrumento. Steve Cropper revolucionou a música R&B americana com seu estilo minimalista e econômico. O mesmo se pode dizer de B.B. King em relação ao blues. Eles não são malabaristas à la Eddie Van Halen (que por sinal é fantástico) mas a meu ver, uma nota bem colocada do B.B. King, vale por 10 dos guitarristas ‘flash’. Eu vou listar alguns dos meus guitarristas preferidos. É uma questão de gosto pessoal e não uma escalação de quem é melhor etc. Além do mais, ando um pouco defasado e tem muito talento novo que desconheço. Os brasileiros: Toninho Horta, Lulu Santos, Pepeu Gomes, Helinho Capucci, Zé Carlos, Renato Piau, Ringo (Ricardo Moraes), Zé Menezes, Perinho Santana, Pisca. Isto sem tomar em conta os grandes violonistas e violeiros. Vale também uma lembrança aos amigos guitarristas que passaram: Robson Jorge e Claudinho Stevenson. Os americanos e europeus: Chuck Berry, B.B. King, Steve Cropper, George Benson, Lee Rittenour, Joe Walsh, Steve Wariner, Carlos Santana, Eric Clapton, Jimmy Johnson (Muscle Shoals Rhythm Section).
Senhor F – Tendo vivido em sua plenitude os anos 60 e 70, em que prevaleceram valores relacionados à paz, ao amor e a fraternidade, para citar alguns valores, como você se sente neste mundo de hoje, especialmente diante do ocorrido em Nova York, recentemente? Como você vê o futuro da Humanidade?
Gabriel O’Meara – O atentado em Nova York e Washington complicou bastante as coisas. Mais de seis mil pessoas de dezenas de Nações foram massacradas no nome de … nada. Não existe um propósito claro e nem poderia existir uma justificativa por um ato tão atroz. Eu tenho tentado conciliar a realidade deste acontecimento, mas confesso que não consigo chegar a qualquer conclusão racional. Homens, mulheres e crianças massacradas friamente, não existe nenhum raciocínio! Apesar destes acontecimentos, eu acho que o mundo atualmente vive em maior harmonia que em outras épocas. Não é perfeito, existem muitas coisas erradas, mas estamos mais cientes das situações que os seres humanos enfrentam em vários lugares do universo. Hoje em dia existem menos ditaduras e governos totalitários. Não há muito lugar para intolerância no coletivo civilizado, ficamos atentos e reagimos quando o absolutismo se manifesta. Kosovo, Chechênia, Macedônia, Sudão, lugares antes ignorados, hoje estão baixo a mira do universo num tipo de monitoração universal. Precisamos exercer nosso dever de cidadãos do mundo. Seja numa aglomeração de fé com o padre Marcelo, ou num jogo de futebol nos estádios da vida, nossas vozes mandam um poderoso recado a entoar juntos um grito pela paz, a igualdade social e a liberdade do homem. Precisamos monitorar nossos governantes e não deixar que os líderes eleitos abusem dos seus mandatos. Os governantes estão ali exclusivamente para servir, cuidar e resguardar o bem estar da pátria. Temos todo o direito de reclamar e exigir a substituição daqueles que não cumprem suas tarefas designadas. Precisamos nos engajar e assumir as nossas responsabilidades como cidadãos e fazer a nossa parte também. Um povo que dedica uma pequena parcela do seu tempo ao bem estar coletivo, terá nas mãos a liderança do seu destino. A música é a mais perfeita manifestação de concordância mútua. Se todos nos tocássemos um instrumento, acredito que acabaria a guerra e o espírito bélico. Axé, Shalom, Al Salaam Aleikum, and love and peace to all.
Foto: Divulgação (Carlinhos Scart, Luis Carlos Porto, Constant Papineanu, Gabriel O’Meara e Geraldo D’arbilly. Foto tirada durante um break da gravação do LP “Em Busca do Tempo Perdido”, 1975, Polygram).
Entrevista originalmente publicada na primeira versão da revista Senhor F, em setembro de 2001. O conteúdo, datas e demais informações estão circunscritas ao momento da realização das entrevistas.
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