Ao longo dos primeiros anos da revista Senhor F foram publicados uma série de pequenos verbetes com histórias e curiosidades da história do rock brasileiro.
A seguir, alguns desses verbetes selecionados:
Uma Menina Linda, com urgência – A versão Menina Linda para I Should Have Know Better, dos Beatles, estreiou no programa de Carlos Imperial. Escalado por Imperial para tocar a música dos Beatles no dia seguinte, e sem conseguir decorar a letra em inglês, Renato Barros não teve outra saída senão “traduzí-la” para o português. Na estréia, a música fez tanto sucesso que Renato e Seus Blue Caps tiveram que retornar no dia seguinte para tocá-la novamente. Com o sucesso, o grupo decidiu incluir a canção em seu terceiro LP, mas verdadeiramente o primeiro da carreira “Jovem Guarda” do grupo carioca.
Elis Regina também caiu no rock – A cantora gaúcha Elis Regina, apesar de botar bronca contra a Jovem Guarda, em meados dos anos sessenta, iniciou a carreira cantando rock and roll, em Porto Alegre. Além das apresentações nos programas locais de televisão, ela ainda estreou com um 78rpm, em 1961, pelo selo Continental, cantando Sonhando/Dreaming e Dá Sorte. Apontada como uma “grande revelação para a juventude”, depois de passar pela bossa nova e pelas canções de protesto, em meados dos anos sessenta, transformou-se em uma das, senão a maior, cantora de música popular do Brasil.
Bandas homônimas – A história do rock brasileiro é cheia da bandas homônimas. Desde os sessenta até hoje, muitos nomes repetiram-se. Existiram, por exemplo, duas bandas Os Metralhas; a primeira de Curitiba, nos 60, e depois a outra, em Brasília, formada pelos futuros Plebe Rude e Legião Urbana, André X e Marcelo Bonfá, em 1980. Outra dobradinha, aliás uma trinca: Os Inocentes; uma delas, banda punk paulista dos anos oitenta, outra grupo brasiliense de Jovem Guarda, que tinha Jessé entre seus integrantes, e a terceira um grupo vocal paulista também dos sessenta. Ainda, sem esgotar o tema, Os Titãs também tiveram seu antecendente em São Paulo, na Jovem Guarda sessentista.
Amada Amante censurada – … “Que manteve acesa a chama/Que não se apaga na cama/Depois que o amor se fez”, escreveu originalmente Erasmo Carlos, na letra de Amada Amante, sucesso com Roberto Carlos nos anos setenta. Acontece que a censura da época invocou com a letra e obrigou a mudar para … “Que manteve acesa a chama/Da verdade de quem ama/Antes e depois do amor”. Com isso, o Tremendão também foi alvo da ação repressiva que barbarizou com a cultura nacional dos anos sessenta, setenta e oitenta, inclusive.
Os mistérios da banda Som Beat – Uma das bandas mais estranhas em matérias de história é a paulistana Som Beat, espécie de Yardbirds das domingueiras, nos anos sessenta. Gravaram um único compacto oficial, mas deixaram uma demo contendo covers para Nobody But Me e Com’n Up, produzido pelo radialista Carlos Alberto Lopes, o Sossego, e um misterioso álbum ao vivo no Estúdio Scatena, em São Paulo. O single demo, em poder de Carlos Alberto Lopes é do conhecimento de alguns poucos felizardos, entre eles a redação de Senhor F, e o lp nunca ninguém viu, ouviu, ou soube de sua real existência.
Quarteto Novo x Os Mutantes – Antes dos Mutantes, Gilberto Gil procurou o grupo Quarteto Novo para acompanhá-lo em Domingo No Parque, na apresentação do Festival da Record. A proposta de Gil, influenciado por Sgt. Pepper’s, em dar um tratamento pop à canção, recebeu a negativa do grupo formado por Heraldo do Monte, Hermeto Paschoal, Airto Moreira e Théo de Barros. Sem parceiros para a empreitada pouco convencional, Gil foi salvo pelo maestro Rogério Duprat que disse a ele conhecer “uns garotos muito bons” – Os Mutantes, que ao lado de Liminha, deram o que ele queria, e muito mais.
Duprat, maestro “cúmplice” do rock – A clássica “Vigésimo Andar/Twenty Fligth Rock” (de Eddie Cochran), gravada em abril de 1963 pelo roqueiro paulista Albert Pavão trazia como arranjador um certo “Rudá”. O nome inventado pretendia manter no anonimato o maestro Rogério Duprat, arranjador da VS (Vilela Santos), que não queria ser “cúmplice” de um rock. A idéia não colou, e Duprat acabou transformando-se no George Martin do rock brasileiro, com presença ativa na cena roqueira daquela década e das décadas seguintes. Nos 60, participou dos mais importantes álbuns dos Mutantes; na década de 70 ressurgiu ao lado do Terço, no clássico “Criaturas da Noite” e, nos 80 junto com o 14 Bis.
O primeiro rock nacional com guitarra – O primeiro rock brasileiro que utilizou a guitarra, uma Fender Stratocaster, foi gravado em 1957, pelo cantor e compositor Betinho (batizado Alberto Borges de Barros, filho de Josué de Barros, o descobridor de Carmem Miranda). A música é “Enrolando o Rock” (com Betinho e Seu Conjunto), trilha sonora do filme “Absolutamente Certo”, que ganhou versão da banda Rockterapia, de Eddy Teddy e Nuno Mindelis, nos anos noventa. A gravação original foi resgatada no LP “O Rock dos Anos 60”, produzido por Tonny Campello e Albert Pavão, no final dos anos oitenta.
As bandas do produtor Liminha – Atualmente conhecido como produtor de sucesso, responsável por grande parte das gravações das bandas e intérpretes dos anos oitenta, Liminha tocou em vários grupos nos anos sessenta. Inicialmente, ele fez parte dos grupos instrumentais The Thunders e Os Lunáticos (antes The Mooners), que chegou a acompanhar Albert Pavão em gravações; depois integrou Os Baobás, acompanhou Gilberto Gil e, por fim, ao lado de Arnaldo, Rita, Serginho e Dinho, tornou-se o quinto Mutantes. É dele o baixo na gravação de “Light My Fire”, com Os Baobás, lançado em compacto antes do original do grupo Doors chegar ao Brasil.
Analfabitles, preferência nacional – O irônico e criativo nome Analfabitles batizou dezenas de grupos em vários estados do Brasil, durante os anos sessenta. O mais famoso deles surgiu no Rio de Janeiro, chegando a gravar um compacto, e ficando na história como uma das legendas do rock carioca. Já em Minas Gerais, grupo com o mesmo nome também destacou-se na cena de Jovem Guarda, gravando pelo selo Paladium. Ainda, no Rio Grande do Sul, exitiu outro grupo com o mesmo nome, mas sem deixar nada gravado em disco. Na mesma linha, grupos como Brazilian Bitles, Beat Boys e Beatniks exploraram a sonoridade “beatle” em seus nomes, vinculando a banda aos fab four de Liverpool.
Erasmo Carlos, pré-Jovem Guarda – O cantor e compositor Erasmo Carlos não começou a carreira com a Jovem Guarda. Antes disso, ele fez parte dos grupos The Snakes e Renato e Seus Blue Caps. Com The Snakes gravou um LP – “Só Twist”, em 1961, contendo clássicos do rock and roll e algumas composições de Carlos Imperial. Com Renato e Seus Blue Caps participou do segundo (e primeiro disco somente do grupo), como cantor principal, gravando, entre outras músicas, a primeira versão de “Lobo Mau/The Wanderer”. A partir de então, em parceria com Roberto Carlos, estourou com o compacto “Jacaré/Terror dos Namorados”, em 1964.
A origem do nome “Jovem Guarda” – Inicialmente “Festa de Arromba”, o mais importante programa musical dos anos 60, terminou por chamar-se “Jovem Guarda”, por sugestão do publicitário Carlito Maia, da MM&P. O novo nome foi tirado de uma frase do revolucionário soviético Lenin: “O futuro pertence à Jovem Guarda porque a velha está ultrapassada”. Apresentado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, a idéia original era ter ao lado de RC a “rainha do rock” Celly Campello, que não aceitou retornar à vida artística. O programa entrou no ar em 1965, aos domingos à tarde, substituindo a transmissão ao vivo dos jogos do Campeonato Paulista de Futebol.
“Creatures of Night”, O Terço em inglês – Uma das maiores raridades do rock brasileiro é a gravação em inglês do álbum “Criaturas da Noite”, do grupo O Terço. Com vocais sob as mesmas bases do original em português, o LP foi produzido para os mercados latino e europeu, tendo sido lançado em vários países. No Brasil, apenas um compacto chegou a ser lançado em 1976, com as músicas “Fields on Fire” (Queimada) e “Creatures of Night” (Criaturas da Noite), ainda hoje é uma das peças mais raras da discografia roqueira nacional. O LP saiu em CD pelo selo italiano Vinyl Magic no início dos anos noventa, com distribuição em várias lojas alternativas brasileiras.
Liverpool e Bixo da Seda, os mesmos – Um dos grupos mais venerados pelos roqueiros sulistas, especialmente, e brasileiros, é o Bixo da Seda, que gravou um ótimo disco de rock and roll pelo selo Continental, em meados dos anos setenta. O que nem todos sabem é que, praticamente com a mesma formação, e sob o nome de Liverpool, eles brilharam nos palcos do Sul no final dos anos sessenta e início dos setenta. Integravam o grupo Mimi Lessa (guitarra solo), Fughetti Luz (cantor), Edinho Espíndola (bateria), Marcos Lessa (guitarra-base) e Pekos (baixo). Sem Pekos, e com a participação de Renato Ladeira (ex-Bolha) e o guitarrista Zé Flávio, formaram o Bixo da Seda, também de vida curta.
Richard Court, antes de “Menina Veneno” – Atendendo insistente convite de Rita Lee, o inglês Richard Court veio para o Brasil e, por pouco, não tocou nos Mutantes, no início dos 70. Richard, que em sua terra Natal integrava o grupo Everyone Involved, passou então a soprar sua flauta nos grupos Scaladácida (Sérgio Kaffa, Fábio Gasparini e Azael Rodrigues), Soma (Bruce Henry) e, por fim, Vímana (Lulu Santos, Lobão e Fernando Gama), com quem gravou um clássico e raro compacto em 1977, contendo as músicas Zebra e Masquerade, deles. Nesse meio tempo, também tocou flauta com o grupo A Barca do Sol, liderada por Nando Carneiro e Jacques Morelembaum. Já nos anos oitenta, veio o hit “Menina Veneno” e o sucesso de um dos melhores e mais criativos intérpretes do pop brasileiro moderno.
Verbetes originalmente publicados em Senhor F – A Revista do Rock.
Foto: Grupo Barca do Sol, com Ritchie (flautista, à esquerda) / Reprodução.
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