Em entrevista ao editor de Senhor F, Fernando Rosa, a cantora Lilian diz que que ainda não vê um devido reconhecimento ao trabalho da dupla – Leno & Lilian – realizado nos anos sessenta e início dos setenta.
- Entrevista realizada em meados dos anos 2000,na então Senhor F – A Revista do Rock agora republicada em memória da cantora, a quem crescemos ouvindo e tivemos a felicidade do contato nessa época.
Trata-se da mais pura verdade, pois quase sempre a dupla acaba secundarizada em matérias, estudos, livros e outras publicações a respeito da Jovem Guarda.
Não fosse, por exempo, a iniciativa de Leno, que criou um selo (Natal) para relançar os discos da dupla, talvez as edições oficiais nem tivessem saído.
Valorizados por músicos modernos, como o gaúcho Frank Jorge, a dupla é responsável por um dos melhores, se não o melhor, vocais da Jovem Guarda.
Fugindo do padrão Beatles, Leno & Lilian passearam por um repertório variado, que incluia estranhos covers, talvez mais famosos aqui dos que seus originais, como Hang On Sloopy (one hit wonder dos McCoys).
Mas, além disso, escreveram – Leno sózinho ou Lilian com Renato Barros (do Renato e Seus Blue Caps) – hits do porte de Devolva-me, entre outros, e pérolas ignoradas como Parem Tudo.
A dupla acabou antes do fim da Jovem Guarda, ainda nos anos sessenta, e retornou no início dos anos setenta, em parceria com Raul Seixas, então produtor da CBS.
Primeiro, Leno gravou com ele Vida e Obra de Johnny McCartney e, depois, a dupla produziu mais dois álbums, que incluem clássicos como Objeto Voador e o cover para Day After Day/Dias Iguais (Badfinger).
A partir de então, os dois seguiram caminhos distinhos, com Lilian gravando álbuns solo e Leno produzindo raras gravações, com participação até mesmo de Sérgio Dias (dos Mutantes).
Seus discos, inicialmente relançados pelo selo Natal, criado por Leno, finalmente ganharam reedições em cd, pela Sony Music, nos formatos simples e dois em um.
Os discos de Leno também já chegaram à era digital, inclusive A Vida e Obra de Johnny McCartney, (nessa época, havia apenas um compacto duplo), pois fora proibido pela censura da época (1971).
A seguir, Senhor F traz entrevista com Lilian, feita via e-mail, que está gravando um novo disco, com participação de Luis Carlini e outros cobras do rock.
A entrevista
Senhor F – Você está no estúdio gravando um novo disco; como será, terá Jovem Guarda, rock e que outros gêneros musicais?
Lilian – Tê três ou quatro rocks, charme, baladas. Estou regravando duas músicas: Deus é Quem Sabe e Esqueça de Perdoa (NR- dos discos da dupla, nos anos 60 & 70).
Senhor F – Alguma música, compositor ou participação em especial?
Lilian – O disco só tem participação especial. Todos que tocam são feras.
Senhor F – Quem toca no disco?
Lilian – Paulo Cezar (Renato e Seus Blue Caps) no baixo, Jorjão Barreto nos teclados, Barroco nos violões, Téo Lima e Otávio Henrique na bateria, Luis Carlini (Tutti Frutti) nos solos e lriffs de guitarra e arranjos de três músicas, além de Evaldo Santos que também tocou e fez arranjos. Vou convidar também Greg Wilson (Blues Etílicos) para cantar comigo uma música dele que vou gravar. Tenho uma música com Renato Ladeira (A Bolha, Bixo da Seda, Herva Doce), que fizeram em homenagem aos nossos pais, que já se foram, que quero ver se elel faz uma participação especial no vocal.
Senhor F – Que importância têm esse disco pra você? Qual a previsão de lançamento?
Lilian – É super importante, já que ano passado só participei de uma coletânea da Universal, com Sou Rebelde.
Senhor F – Como foi o começo da carreira da dupla Leno & Lilian? Você já cantava sozinha antes?
Lilian – Não.
Senhor F – Como conheceu Leno?
Lilian – Era meu vizinho de rua.
Senhor F – Vocês se mudaram para São Paulo, junto com a turma da Jovem Guarda, ou permaneceram no circuito do Rio de Janeiro?
Lilian – Ficamos no Rio.
Senhor F – Quantos discos vocês gravaram durante o período mais intenso da Jovem Guarda – os dois relançados em cd: Leno & Lilian e Não Acredito, ou teve mais algum?
Lilian – Foram só quatro lps em toda a nossa carreira.
Senhor F – Quais foram os grandes hits da dupla?
Lilian – Pobre Menina, Devolva-me, Coisinha Estúpida, Eu Não Sabia Que Você Existia, Não Acredito, Veja se Me Esquece, Balão Vermelho, Está Pra Nascer …
Senhor F – Alguma canção marcou em especial?
Lilian – Devolva-me e Pobre Menina. O compacto estourou os dois lados.
Senhor F – Como era a escolha do repertório da dupla, considerando que, além de originais com grande qualidade, também gravavam versões um pouco diferente do padrão da época (Peter & Gordon, Herman Hermits, McCoys, Wayne Fontana & The Mindbenders, Small Faces)?
Lilian – Quem escolhia era o Sr. Evandro, o nosso diretor (NR – Evandro Ribeiro, Diretor Artístico e presidente da CBS nos anos 60 & 70).
Senhor F – Além de versionistas disputados pelos cantores e grupos, como era o trabalho de composição da dupla, vocês trabalhavam mais em conjunto ou separadamente como em Devolva-me (Lilian & Renato Barros) e Parem Tudo (Leno)?
Lilian – Nunca fiz música com Leno. Talvez devido a eu e Renato (Renato Barros, do Renato e Seus Blue Caps) trabalharmos juntos o tempo todo.
Senhor F – Ainda sobre o repertório: não gravar Beatles, como todo mundo, era opção estratégica ou havia alguma outra razão (pelo que lembramos, a dupla gravou apenas O Sol Se Põe No Horizonte/I’ll Be On My Way, que os Beatles, inclusive nem gravaram – a gravação é do Billy J. Kramer & The Dakotas)?
Lilian – Foi por acaso que não gravamos mais Beatles. Por mim, gravaria todas …
Senhor F – Como era a relação da dupla Leno & Lilian com o movimento Jovem Guarda? Era totalmente integrada, ou havia conflitos, disputas? A participação nos programas existentes era normal? Iam tanto no Jovem Guarda, de Roberto Carlos, quanto nos demais? Vocês participavam do programa do Ronnie Von?
Lilian – Ótima. Íamos a todos os programas. Também éramos contratados da TV Record.
Senhor F – Como você, e a dupla, reagiu ao fim do movimento Jovem Guarda?
Lilian – Terminamos pela primeira vez antes do fim da Jovem Guarda.
Senhor F – Vocês aderiram ao movimento hippie/psicodélico, do ponto de vista musical e existencial? Como era a relação de vocês, ou a sua, especial, com aquela geração, digamos, mais de roqueiros, pós-Woodstock?
Lilian – Curti muito essa época. Aderi completamente ao movimento hippie. Me vestia e pensava bastante parecido com tudo aquilo. Só não experimentei nenhum tipo de droga e nem era a favor do amor livre.
Senhor F – A ditadura trouxe algum tipo de problema para vocês?
Lilian – O único problema que senti diretamente (já que na época eram muitos os problemas) foi a cobrança que faziam, por não sermos engajados na luta contra a ditadura. Mas eu, de minha parte não tinha nem idéia do que era luta armada, guerrilha etc. Só cantava o amor, minha realidade e meu momento.
Senhor F – Como se deu a aproximação com Raul Seixas, de quem vocês gravaram três originais e uma versão para Day After Day/Dias Iguais (Badfinger), como foi trabalhar com ele e qual o resultado dessa união em termos de produção e repercussão?
Lilian – Raul era um ídolo pra mim. Muito inteligente. Estava muito tempo na frente de todos. Adora suas músicas. Até hoje abro meus shows com Objeto Voador, que aliás tem muito a ver comigo. A versão de Dias Iguais (Day After Day, do Badfinger) fui eu quem fez. Está errado no disco (o segundo deles, na década de setenta, com participação de Raul Seixas).
Senhor F – Com o fim da dupla, no início dos setenta, como ficou sua carreira, quantos álbuns gravou, além da participação no ‘Matéria Prima’, com Leno e Renato Barros, contendo covers e versões para clássicos do rock dos cinqüenta, nacional e estrangeiro?
Lilian – Gravei meu primeiro sucesso ainda na CBS: Como Se Fosse Meu Irmão. E ganhei dois discos de ouro na BMG: Sou Rebelde e Uma Música Lenta.
Senhor F – Você acha que a Jovem Guarda, além do revival pelos próprios representantes da geração (músicos e fans), é devidamente valorizada pelas novas gerações de roqueiros nacionais, como um gênero a ser desenvolvido, recriado, atualizado?
Lilian – Acho que eles vem fazendo isso há algum tempo, através das várias regravações.
Senhor F – Você tem acompanhado ou conhece, e o que acha do trabalho de músicos como Los Hermanos e os gaúchos Frank Jorge, Marcelo Birck, Graforréia Xilarmônica, Vídeo Hits ou Os Atonais, têm obras no gênero, ou diretamente influenciados por ele?
Lilian – Na verdade, adorei a música Ana Júlia. Achei bem parecida com o que fazíamos. Gostaria de conhecer os outros grupos melhor (favor mandar os cds …hahaha).
Senhor F – Levando em consideração que a música mantém uma atualidade, uma qualidade, uma sofistificação vocal acima da média, você acha que a dupla Leno & Lilian tem o devido reconhecimento de sua importância na história da música nacional?
Lilian – Sinceramente, acho que não.
Entrevista publicada em meados anos noventa, na então Senhor F – A Revista do Rock.
Foto: Senhor F Social Club.
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