A cena musical em Brasilia teve início com os grupos de dublagem que deram os primeiros passos da futura cena “rock” da cidade, com vários de seus personagens passando a integrar os futuros grupos como Os Infernais e Os Primitivos.
O principal e pioneiro grupo da cena de dublagem foi Harry Jones e Seu Conjunto, liderado pelo cantor Jesiel Motta, de onde saiu o baterista Everardo, que depois integrou o grupo vocal The Weep’s e Os Primitivos, formado em meados dos anos sessenta.
Também participaram dos programas de dublagem os músicos Eldir e Carlos Alberto, futuros integrantes dos Infernais, ao lado de Lincoln, Niepce e George.
Outro que iniciou a carreira na dublagem foi Castelo, depois vocalista dos Quadradões, que se apresentava ao lado de Leda, integrante do grupo de Harry Jones. Os Cometas, liderado por Laudir, depois membro do grupo Os Santos, completou a cena de dublagem da cidade.
O repertório de Harry Jones e Seu Conjunto e dos Cometas era voltado para os clássicos do doo wop, especialmente The Platters, enquanto Eldir e Carlos Alberto e Castelo & Leda dublavam clássicos do rock and roll e do twist.
- Brasilia entrou na onda
No início dos anos sessenta, ainda na ausência de grupos jovens, algumas orquestras tradicionais, como Raulino e Seus Big Boys (veja abaixo), se destacaram levando o rock and roll para os bailes e festas da cidade.
Em meados da década, já na onda da Jovem Guarda e do estouro mundial dos Beatles, dezenas de grupos proliferaram no Plano Piloto e nas Satélites, animando as domingueiras e programas de televisão.
Além da aparição ao vivo na TV Brasília e na TV Nacional, os grupos tocavam no circuito de clubes sociais, como Iate, Congresso, Jockey, Motonáutica e Unidades de Vizinhança, e em boates, como a Tendinha do Hotel Nacional.
Os principais grupos que surgiram naquele momento foram Os Reges e Os Infernais, inicialmente, seguidos pelos Primitivos, o mais popular deles, e ainda pelos Geniais, entre mais de uma dezena de outros (veja abaixo).
- Os Infernais (nascido em 1964) tinham um repertório de rock instrumental e rock and roll tradicional (americano). Eram assíduos nos palcos da TV Brasília e da TV Nacional sozinhos ou dividindo o cenário com Os Primitivos. Integravam Os Infernais Eduardo Sampaio (baixo), Lincoln (guitarra solo), João Lataro (guitarra base), Edson (bateria) e Glay Lataro (vocal).
- Os Reges (formado em 1965) faziam a linha Jovem Guarda. O nome era formado pelas iniciais dos seus integrantes – Reinaldo (baixo), Edson (guitarra base), Gualberto (guitarra solo), Edson Vitorino (bateria) e Segóvia (crooner). Os Reges era destaque no programa do radialista Galeb Baufaker, na TV Brasília. Um ano depois, Edson foi substituído por Passani.
- Os Primitivos (criado em 1966), por sua vez, representavam o que se chamava à época de “Liverpool sound”, na linha beatle. O grupo era formado por Everardo na bateria, Carlos Alberto nos vocais, Edson na guitarra-base, Luizinho na guitarra-base, Armandinho no baixo e George Delanou na guitarra solo. Era considerado o melhor grupo da região, com excelentes instrumentistas e repertório fiel à beatlemania.
- Os Geniais tinham entre seus integrantes o cantor e compositor Clodo no contrabaixo. O grupo também contava com o cantor Marquinhos, vocalista da primeira formação do grupo Placa Luminosa. Assim como outros grupos locais, participavam de programas ao vivo na TV Brasília e TV Nacional. Os Geniais abriram o show de Roberto, Erasmo e Wandereléa, em Brasília, em 1966.
Registros fonográficos
Os Infernais deixaram um compacto simples gravado em Minas Gerais, no selo Paladium (ouça abaixo), com duas versões de hits da época.
Os Primitivos foi o primeiro grupo de Brasília a gravar fora da cidade em um grande selo – um LP pela Polydor, no Rio de Janeiro, em 1967.
- Os Primitivos do Iê Iê Iê
Uma raridade do rock dos anos sesseta, o disco dos Primitivos mixava de forma surpreendente Jovem Guarda, beatlemania e sonoridades regionais, antecipando o que depois viria a ser chamado de “rock rural” e, até mesmo, as misturas sonoras patrocinadas pelos grupos mais recentes, como Raimundos.
Lançado em 1967, Os Primitivos no Iê-Iê-Iê trazia para a cena musical a fusão do rock com ritmos regionais que o maestro tropicalista Rogério Duprat experimentava em São Paulo, com o pré-Mutantes, O’Seis, em temas como Peguei um Ita no Norte, Luar do Sertão e Asa Branca.
A expressão mais arrojada do experimento do disco foi a música Peguei um Ita no Norte com um arranjo folk-garageiro, remetendo aos americanos The Byrds. Outro destaque do disco é a música O Gato, composição própria do grupo, composta pelo vocalista Carlos Alberto e pelo guitarrista Edson.
Os Primitivos se apresentaram em diversos programas de tevê no Rio de Janeiro, entre eles o programa do Chacrinha (TV Globo) e Festa do Bolinha, de Jair de Taumaturgo, na (TV Rio), buscando visibilidade no centro de difusão da música no país, naquele momento dividido entre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Após a gravação desse álbum, Os Primitivos ensaiaram tornarem-se um grupo de expressão nacional, com o apoio de sua gravadora, a Polydor. Mas terminaram retornando à Brasília, para terminar logo após, não sem antes deixar um dos hits locais dos anos sessenta, a versão para Mulher Rendeira, que ficou na memória musical candanga (ouça abaixo).
- O rock nas Satélites
Também fundamental na história musical da cidade foi a cena das cidades satélites, especialmente Taquatinga e Núcleo Bandeirante, que resultou em grupos como Elson 7, Quadradões e Mugs, entre outros.
Um dos pioneiros do rock candango, formado em 1963, o grupo The Good Boys, com a entrada do saxofonista Elson, passou a chamar-se Elson e Seus Good Boys e, posteriormente, apenas Elson 7(leia mais abaixo), que gravou um LP já na década de setenta.
Também das Satélites, de Taguatinga, destacou-se o grupo Os Quadradões, que reunia o cantor Castelo, um dos melhores de sua época, o compositor Clodo, e um time de músicos de primeira linha, que depois passou a integrar o Placa Luminosa.
Da mesma origem dos Good Boys, nasceu o grupo Os Mugs, por volta de 1969, um dos primeiros grupos a viajar para fora da cidade, em turnê pelo Norte e Nordeste do país.
- Elson 7, Brasília Jovem
Com o nome de Elson 7, o ex-Good Boys e Elson & Seus Good Boys, estreiou em Brasília durante o ano de 1968. Integravam o Elson 7, o próprio Elson (saxofone), Mozart (guitarra solo), José Carlos (cantor), Luiz (bateria), Eurípedes (acordeon), Wilson (marimba) e Taqui (também cantor).
Nessa época, o grupo acompanha e participa de shows na cidade com músicos como Eliana Pitman, Elis Regina, Roberto Carlos, Wilson Simonal e divide um espetáculo com Sérgio Mendes, no Hotel Nacional. Em 1969, o grupo se divide, uma parte continuando como Elson 7 e outra formando Os Mugs.
Com o novo Elson 7 permaneceram Elson (saxofone), Mozart (guitarra solo), Luiz (bateria), Eurípedes (acordeon), Wilson (marimba), Taqui (vocal) e mais os músicos Dimas (também vocal) e Fred (contra-baixo). Com essa formação, gravaram em 1972 um LP, o terceiro feito por grupos da cidade, depois dos Primitivos (1967) e dos Quadradões (1969).
Com a morte de Elson em 1974, e a troca de vários integrantes, o grupo passou a se chamar Squema 6, transformando-se em um dos mais famosos e atuantes conjuntos de baile da Capital Federal.
- “Brasília presente”, com os Quadradões
… “os quadradões são redondos pra burro! redondos em prosa e verso. isso não é mais 1 disco: é um testemunho/participação de brasília no momento atual da música brasileira. gilberto-veloso-roberto carlos e mais mutantes-duprat-mendes, enfim …”…
Assim, com letra minúscula mesmo, Climério (de S. Ferreira) escreveu na contra-capa, apresentando o primeiro e único disco d’Os Quadradões, lançado em 1969, com produção inteiramente local.
Antes batizado com o nome de Os Continentais (Clodo tocou guitarra com eles), os Quadradões era formado por Nélio (bateria), Ari (guitarra base), Ribamar (guitarra solo), Baixinho (sax), Arimatéia (contra-baixo), Vicente (piston) e Castelo (vocal).
Talvez a primeira produção independente da Capital Federal, o disco dos Quadradões foi gravado e lançado pelo selo PRStudio (de Paulo Raimundo), com produção de Edson Vitorino.
Com uma sonoridade avançada e sintonizada com o clima da época, o disco trazia covers de clássicos do rock e da soul music (James Brown), pitadas de Jimi Hendrix, originais de autoria de Climério e ainda a versão samba-rock para I Need You, dos Beatles.
O disco teve participação especial de Mário Lúcio (depois Placa Luminosa) e da cantora Wandinha. A capa do álbum, montada com recortes de jornais e revistas, de certa forma antecipou a estética punk, que surgiu somente depois, no exterior.
A música Em Prosa e Verso, de Climério, presente no disco, fez parte da trilha do filme A Difícil Viagem, de Geraldo Moraes, com o ator Paulo José.
Com a saída de Castelo, o grupo trocou o nome para Corrente de Força e, depois, já em São Paulo, para Placa Luminosa, transformando-se em um dos mais famosos conjuntos de baile do país, repetindo o que aconteceu com muitas bandas de garagem daquela época.
- Outros grupos e intérpretes da cena
Ainda fizeram parte da cena roqueira da Capital Federal nos anos sessenta e início dos setenta, os grupos Valdo e Seus Blue Caps, Os Flintstones (depois Os Magos), The Golden Stones, Os Mig’s, Os Fantásticos, The Cheynes, Os Geniais, Os Santos e Os Inocentes, entre outros.
O grupo Inocentes tinha entre seus membros o cantor Jessé e chegou a gravar um compacto duplo, contendo dois covers para hits da música italiana, a versão instrumental para Malagueña e a música Papai Noel, ganhadora do Primeiro Festival de Música Estudantil de Brasília.
The Cheyenes foi o primeiro, e um dos únicos grupos de Brasília, e mesmo do país, formado apenas por mulheres, que cantavam e tocavam todos os instrumentos. Os Fantásticos, por sua vez, foram a continuação dos Infernais (sem o guitarrista Lincoln).
A cena musical de Brasília ainda contou com a presença de cantores e cantoras, destacando-se Márcia Valéria, que chegou a cantar acompanhada pelo grupo Os Infernais no programa Programa da Juventude, na TV Nacional (Canal 3).
O cantor Heron Tavares, por sua vez, com a gravação do hit O Karmanguia também marcou sua presença na vida musical da cidade, deixando ainda um LP gravado pelo selo Tropicana.
- O rock na tela das TVs
Um dos principais centros de divulgação da música da cidade, as televisões locais incluiram em suas programações, desde o início dos anos sessenta, uma série de programas ao vivo e de calouros, que abriram espaço para os grupos jovens.
Entre os principais programas, destacaram-se Rapsódia da Cidade (TV Nacional, Canal 3, apresentado por Wanderlei Matos), Programa da Juventude (TV Nacional) e Sabatina da Brotolândia (apresentado por Leonel Paiva, depois suplente de senador pelo DF).
Também tiveram bastante sucesso os programas Galeb Show na Rádio Alvorada Brasília, Passarela de Sucessos, na TV Brasília, Canal 6, e Show Discal na TV Nacional – os três apresentados por Galeb Baufaker, entre 1961 e 1965.
- Em 1966, a TV Brasília promoveu um concurso de grupos de Jovem Guarda, que contou com a participação de dezenas de conjuntos, e deu o primeiro lugar para Os Primitivos, abrindo o caminho para a gravação do primeiro disco do grupo.
No mesmo ano, a mesma TV Brasília, Canal 6, passou a apresentar o programa Os Reges, inicialmente com participação exclusiva do grupo, e depois aberto aos demais grupos jovens da cidade.
Apesar da curta duração de suas carreiras, da distância dos grandes centros e do isolamento cultural, a trajetória de alguns grupos contribuiu para afirmar a identidade cultural da cidade e abrir o caminho para futuras iniciativas.
É o caso do primeiro disco dos Primitivos gravado no Rio de Janeiro, ainda em 1967, do estúdio PR Studio, que produziu os primeiros discos independentes da cidade, e dos programas de rádio e televisão que criaram o espírito de divulgação da produção local.
- Com Matuskela, novos tempos sonoros
O grupo Matuskela, ao lado dos Quadradões, fez a ponte entre o rock sessentista da era Jovem Guarda/Beatles para os novos tempos sonoros que agitaram os anos setenta.
Natural do Núcleo Bandeirante, a banda trazia para a cena a sonoridade folk-pisocodélia em canções como a Idade do Louco (Velho demais), de Zeca Bahia e Clodo.
A música integra o repertório do único disco autointitulado da banda lançado pela gravadora Chantecler, em 1972, sucedendo compacto do mesmo ano com o hit local Suza Suzana (também composição de Clodo, com Romildo e Olímpio).
Fundada em 1966, composta por Anapolino (Lino), Toninho Terra, Joãozinho, Rodolfo, Machado e Onildo, a banda manteve a carreira por 14 anos, animando festas, domingueiras e participando de festivais.
No 2° festival universitário do CEUB em 1972, Matuskea conquistou o 1° lugar com a música Placa Luminosa (de Clodo e Zeca Bahia) e também o 2º lugar com Sino sinal aberto”, além dos prêmios de melhor arranjo e interprete.
A música Velho Demais foi trilha sonora da novela Sem Lenço e Sem Documento, da TV Globo, o que levou a banda para apresentações em outras regiões do país.
- Clodo, rumo ao futuro
A efervescente cena musical de Brasília movida pelo rock produziu um dos mais importantes compositores brasileiros, Clodo, autor de Revelação, em parceria com o irmãos Clésio, gravada por Fagner.
Irmão de Clésio e Climério, com quem gravou o disco São Piaui (acima, lançado em 1978), Clodo emergiu com a cena Jovem Guarda, com a dupla Clodo & Ana, nas televisões locais.
Leia a biografia completa no Dicionário Cravo Albim
Em 1965, com 15 anos, foi contrabaixista da banda Os Geniais, um dos pioneiros da cena local, e também guitarrista do conjunto Os Continentais, depois os Quadradões, embrião do grupo Placa Luminosa.
Clodo teve sua primeira música gravada – Ao entardecer, composta em parceria com o irmão Clésio – no LP de estreia dos Quadradões lançado em 1968. Em 1971, o grupo Matuskela gravou aua composição Suzana (parceria com Romildo e Olímpio).
Em 1972, participou do Festival de Música do CEUB obtendo o 1º lugar com Placa luminosa (c/ Zeca Bahia) e o 2º lugar com Sino, sinal aberto (dele), ambas interpretadas pelo grupo Matuskela
Ainda com os irmãos gravou o LP Chapada do Corisco em 1979, mantendo-se ativo musical (veja sua discografia) e culturalmente até sua morte em 16 de julho de 2024, aos 72 anos, em Brasília, onde viveu desde os 12 anos.
- Os anos 70/80, do prog ao folk
Na sequência do caminho aberto pelos grupos Quadradões e Matuskela, além do papel dos irmãos Clodo, Climério e Clésio, o rock de Brasília avançou para novas sonoridades.
Alinhados com as cenas nacional e internacional, alguns grupos se destacaram com sonoridades voltadas para o folk-rock-rural, para o rock progressivo e para o experimental.
O principais grupos daquela década foram Tellah (fundada em 1974), Mel da Terra (surgida em 1979)e Liga Tripa (também formada em 1979), os três com discos lançados já nos anos oitenta.
Outro grupo que emergiu nos anos setenta para os oitenta foi Por do Sol, com um som influenciado pelo folk rock e pelo pop da geração pós-Woodstock, com destaque para os vocais.
Integravam a primeira formação do grupo Guilherme Lassane (violão, guitarra, banjo e vocal), Milton Guedes (gaita, flauta e vocal), Pingo (violão, baixo e voz), Luiz Carlos “Dentinho” (violão, guitarra e vocal) e Marco Guedes (bateria).
Discoteca Básica
Os Infernais – Estou na Solidão (No Milk Today)/Ao Amor Distante (Cpto, selo Paladium-MG, 1967)
Os Primitivos* – Os Primitivos no Iê – Iê – Iê (LP, Polydor, 1967)
Os Primitivos – Os Novos Reis do Iê – Iê – Iê (LP-Coletânea, Polydor, 1967, com a faixa “Mulher Rendeira”)
Os Inocentes (c/ Jessé)- Tennereza, Malagueña, Papai Noel e Finiche Il Mondo Sara (Cpto duplo, PR Studio, s/d)
Heron Tavares – Karmanguia (Cpto)
Heron Tavares – What’s Your Name? (LP, selo Tropicana, 1974)
Elson 7 – Brasília Jovem (LP, selo PR-Studio, s/d)
Os Reges – Várias (fita cassete/demo, 1967)
Os Quadradões – Os Quadradões (LP, PR-Studio, 1968)
Matuskela – Matuskela (LP, 1973)
Matuskela – Suza Suzana, A gente tem que ter (Cpto, Bakerley, 1972)
Tellah – Continente Perdido (Stúdio Cruzeiro do Sul, 1980)
Mel da Terra – Mel da Terra (Vôo Livre, 1983)
Liga Tripa – Informal (Independente, 1988)
Por do Sol – Pro que der e vier e Um dia melhor (WEA, 1984)
Fotos: Divulgação / Arquivos pessoais.
Com informações da Revista Senhor F (primeira fase), do jornalista Olímpio Cruz, site Do Próprio Bolso, Correio Braziliense e Agência Brasil.
Deixe um comentário