No início dos anos 2000, entrevistamos o maestro Rogério Duprat; Fernando Rosa, Alexandre Matias e Emerson Gasperin para as revistas Bizz e Senhor F.
Publicada em texto na época (matéria na Bizz e íntegra em Senhor F), a fita-cassete se perdeu no mundo das mudanças, sendo encontrada mais de 20 anos depois.
Em áudio, e com mais de uma hora de duração, a entrevista é um balanço da carreira do maestro que revoluncionou a música brasileira, desde os anos sessenta.
Ouça a íntegra da entrevista abaixo:
Conheça a carreira de Duprat, desde os anos 60
O maestro erudito Rogério Duprat (Rio de Janeiro, 7 de fevereiro de 1932 — São Paulo, 26 de outubro de 2006), iniciou sua vida de “roqueiro” na gravadora VS (Vilela Santos), em São Paulo, fazendo arranjos para os artistas da casa, que tinha entre seus contratados Baby Santiago, The Rebels, The Hits e Albert Pavão.
Com Albert Pavão, ele entrou para a história do rock brasileiro pelo arranjo de Vigésimo Andar (Twenty Flight Rock, de Eddie Cochran), assinando com o apelido Rudá para “não ser cúmplice” de um rock, segundo registro do próprio Albert, em seu livro Rock Brasileiro, 1955-65.
A cumplicidade, no entanto, nas décadas de sessenta, setenta e oitenta, deixou de ser anônima, ganhando notoriedade ao lado dos Mutantes, especialmente, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e, ainda, com a sua própria A Banda Tropicalista do Duprat.
Ainda pouco valorizado sob este aspecto, o maestro Rogério Duprat esteve presente em vários – para não dizer todos – dos mais importantes momentos de definição de rumos da história do rock brasileiro.
Além de Vigésimo Andar, e depois da parceira com Os Mutantes e demais tropicalistas, é ele o arranjador do disco que reunia Alceu Valença & Geraldo Azevedo (1972), o primeiro registro da invasão nordestina que marcou a música jovem brasileira dos anos setenta.
Duprat também está presente no disco do grupo Brazilian Octopus, que trazia o estreante Hermeto Paschoal (1969) – ao lado de Lany Gordin e Olmir “Alemão” Stocker.
No início dos anos setenta, é o responsável pelos arranjos dos discos do grupo O Terço, principalmente o clássico Criaturas da Noite, que inovou na fusão do rock com as sonoridades eruditas e rurais.
Atualmente (no ano 2000), com dificuldades de audição, Rogério Duprat vive em São Paulo, onde com menos freqüência ainda produz arranjos, como recentemente para o disco ao vivo do Terço com a Orquestra Sinfônica Juvenil do Estado de São Paulo, sob regência do ex-parceiro de aventuras roqueiras, maestro Júlio Medaglia.
Ou então para a música Tempo/Espaço do disco Ligue Lá de Lulu Santos, que buscando recontatar com a sempre profícua vertente tropicalista, foi em busca do maestro para participar de seu disco, gravado em 1997.
“O arranjador é, muitas vezes, um co-autor”, dizia o colega Gaya na contra-capa do lp que dividiram em 1968, o que, em se tratando do maestro Rogério Duprat, com certeza, é a mais pura verdade, que ainda precisa ser afirmada na história da música jovem brasileira.
Parceria com Mutantes e tropicalistas
Com os Mutantes, Duprat tornou-se uma espécie de George Martin (o quinto beatle) tropicalista, produzindo e arranjando as loucuras criativas do grupo, que resultaram em cinco álbuns clássicos do rock nacional e, pelo menos três, do rock mundial.
Com Caetano e Gil, participou de Panis et Circenses, a bíblia tropicalista, e fez os arranjos de Domingo no Parque e do álbum Caetano Veloso/Caetano Veloso, de 1969, e do ultrapsicodélico primeiro disco de Gal Costa, lançado em 1969, ambos com a participação de Lanny Gordin na guitarra.
Por essa época, ainda deixou a sua marca no disco do grupo O Bando, que promovia as primeiras misturas de rock, progressivo, MPB e folclore – especialmente na música Assim Falava Mefistófeles.
Com o raríssimo (na época da entrevista) A Banda Tropicalista do Duprat, gravado em 1968, com capa à la Sgt. Peppers tropicalizada (fato pouco percebido até hoje), e participação dos Mutantes, ele assinalou a sua sintonia com o novo.
São antológicas as versões para Canto Chorado/Bom Tempo/Lapinha, Ele Falava Nisso Todo Dia/Bat Macumba/Frevo Rasgado, Chega de Saudade e, especialmente, Flying, dos Beatles – com toques de Villa-Lobos.
Fiéis ao mestre, Arnaldo, Sérginho e Rita Lee, contribuem com a obra, intepretando também de forma genial a clássica Lady Madona (dos Beatles), The Rain, The Park and Other Things (Cowsills), Canção Para Inglês Ver/Chiquita Bacana e Ciderella Rockfella.
Além do rock e do tropicalismo, Duprat ainda produziu discos inteiramente orquestrais, destacando-se um deles, que divide com o maestro Lindolpho Gaya (1968), contendo versões para Alegria, Alegria, Domingo no Parque, Gabriela, Roda Viva, Maria, Carnaval e Cinzas e Ponteio.
Origem erudita e contestatória dos padrões
Antes, ou paralelamente, ele desenvolveu uma extensa produção erudita, fundando a Orquestra de Câmara de São Paulo, e criando o movimento Música Nova, que tinha entre seus integrantes os maestros Júlio Medaglia e Damiano Cozella, que depois também aderiram à Tropicália e até mesmo à Jovem Guarda – Cozella arranjou um dos discos de Ronnie Von.
Escolhido melhor arranjador do ano em 1967, ele também destacou-se pela produção de trilhas sonoras para filmes – mais de quarenta, até 1987, quando ganhou o Prêmio Kikito de Ouro por Marvada Carne, de André Klotzel, no XVIII Festival de Cinema de Gramado (RS).
Além da VS, Duprat também foi diretor artístico das produtoras fonográficas Pauta e Vice-Versa, ambas de São Paulo, onde trabalhou com artistas ligados ao rock e à música popular brasileira.
Veja a trajetória do maestro Duprat
1962 – Participa de curso de música moderna, em Darmstadt, na Alemanha, do qual também fazia parte Frank Zappa.
1962 – Inaugura a sua carreira de maestro e arranjador em disco, no LP ‘Distração’, com a Orquestra Fantasia, sob sua direção, e participação de Albert Pavão.
1963 – Integra o grupo de maestros que lança o manifesto Música Nova, pregando a derrubada das barreiras entre as músicas erudita e popular. Também passa atuar como produtor e arranjador no selo paulista VS (Vilela Santos), onde grava, entre outros, Albert Pavão (Vigésimo Andar). E, junto com o maestro Damiano Cozzela, faz os primeiros experimentos com computador no Brasil – em um IBM 1620.
1964 – Dirige um departamento de música da UnB (Universidade de Brasília), de onde é afastado pela ditadura, juntamente com outros 200 professores.
1965 – De volta a São Paulo, busca estreitar os vínculos com a música popular e, especialmente, o rock, conhecendo os Mutantes, ainda sob o nome de O’Seis.
1966 – Também passa a produzir trilhas para filmes, destacando-se As Amorosas, do qual participam Os Mutantes.
1967 – Arranja a música ‘Domingo no Parque’, vencedora do Festival da Record, com Gilberto Gil e Os Mutantes. Arranja o terceiro disco de Ronnie Von, que tem participação dos Mutantes.
1968 – Arranja os álbuns ‘Panis Et Circenses’ (coletivo), dos Mutantes (o primeiro), de Gilberto Gil (com participação dos Mutantes) e de Nara Leão. Também grava o álbum A Banda Tropicalista do Duprat, com oquestra e Os Mutantes. Divide com o maestro Lindolfo Gaya, a autoria de outro discos orquestral. E faz arranjos para o compacto do grupo Vermelho (de Marcos Ficarelli). Ainda atua como arranjador do programa de televisão Divino Maravilhoso, apresentado por Caetano Veloso e Gilberto Gil.
1969 – Arranja os álbuns de Gal (estréia), de Caetano Veloso (“álbum branco”) e o de Gilberto Gil, os três com Lanny Gordin na guitarra. Também arranja o segundo disco dos Mutantes, ‘A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado’. Faz arranjos para o grupo O Bando e divide a autoria de música do disco Brazilian Octopus (Hermeto Paschoal, Lanny Gordin e Alemão).
1970 – Participa do álbum de estréia de Rita Lee, ‘Build Up’. Também arranja o segundo disco de Gal Costa. E faz arranjos para o álbum ‘Jardim Elétrico’, dos Mutantes.
1971 – Participa do disco ‘Carlos, Erasmo’ de Eramos Carlos, com participação de Arnaldo, Sérgio Dias, Liminha e Lanny Gordin.
1971 – Participa de disco de Tom Zé.
1972 – Arranja o primeiro disco da “invasão nordestina” com Geraldo Azevedo e Alceu Valença. Também faz os arranjos para o álbum ‘Araçá Azul’ de Caetano Veloso. E escreve os arranjos para as músicas ‘Construção’ e ‘Deus Lhe Pague’, de Chico Buarque de Hollanda.
1973 – Arranja o álbum ‘Ou Não’ de Walter Franco.
1974 – Arranja o álbum ‘Criaturas da Noite’ do grupo O Terço. Participa de ‘Lóki?’, de Arnaldo Baptista. E grava o disco ‘Brasil com “S”‘, com repertório nacionalista.
1976 – Arranja o álbum ‘Pirão de Peixe com Pimenta’, de Sá & Guarabira.
1979 – Faz arranjos para o álbum ‘Bendegó’, então somente com a dupla Capenga e Gereba. Também participa do primeiro álbum do grupo 14 Bis.
1980 – Faz arranjos para o segundo disco do 14 Bis.
1996 – Participa do disco Liga Lá, de Lulu Santos.
1998 – Participa do disco Acústico, de Rita Lee.
Onde ouvir Rogério Duprat
# Orquestra Fantasia & Albert Pavão & The Hits – ‘Distração’(1962)
# Albert Pavão – Vigésimo Andar/Sobre um Rio Calmo (compacto, 1963)
# Ronnie Von – III, com Mutantes (1967)
# Mutantes – Os Mutantes (1968)
# Panis Et Circensis – Panis Et Circensis (1968)
# A Banda Tropicalista do Duprat (c/Mutantes) – A Banda Tropicalista do Duprat (1968)
# Gilberto Gil – Gilberto Gil/1968, com Domingo no Parque (1968)
# Nara Leão – Nara Leão (1968)
# Claudete Soares – Canta Gil, Caetano & Chico (1968)
# Vermelho (Marcos Ficarelli) – Gira, Gira (compacto, 1968)
# Mutantes – Mutantes (1969)
# Gilberto Gill – Gilberto Gil/1969 (1969)
# Caetano Veloso – Caetano Veloso (1969)
# Gal Costa – Gal Costa (1969)
# Jorge Ben – Jorge Ben (1969)
# O Bando – O Bando (1969)
# Rogério Duprat & Lindolfo Gaya – Duprat & Gaya (1969)
# Brazilian Octopus – Brazilian Octopus (1969)
# Brasil Anos 2000 – Trilha do filme Brasil Anos 2000, de Walter Lima Jr.
# Mutantes – A Divina Comédia … ou Ando Meio Desligado (1970)
# Gal Costa – Gal Costa (1970)
# Rita Lee – Build Up (1970)
# Erasmo Carlos – Carlos … Erasmo (1971)
# Mutantes – Jardim Elétrico (1971)
# Tom Zé – Tom Zé (1971)
# Chico Buarque – Construção/Deus lhe pague (1972)
# Caetano Veloso – Araça Azul (1972)
# Geraldo Azevedo & Alceu Valença – Geraldo Azevedo & Alceu Valença (1972)
# Walter Franco – Ou Não (1973)
# Arnaldo Baptista – Loki? (1974)
# O Terço – Criaturas da Noite (1974)
# Rogério Duprat – Brasil com “S” (1974)
# Sá & Guarabyra – Pirão de Peixe com Pimenta (1976)
# Bendegó – Bendegó (1979)
# 14 Bis – 14 Bis (1979)
# 14 Bis – II (1980)
# Rogério Duprat – Geração do Século XXI (1982)
# Lulu Santos – Ligue Lá (1996)
# Rita Lee – Acústico (1998)
Da Redação, com texto originalmente publicado na revista Senhor F, no ano 2000.
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