“Isso tinha o dedo do Peticov”, disse o maestro Rogério Duprat ao rever o cartaz do show, durante entrevista concedida no início dos anos 2000, para matéria publicada pela extinta revista Bizz.

Organizado por Antônio Peticov e sua recém-criada Lesma Azul, espécie de “agência de eventos” alternativa, o Festival Primavera tinha data e local: 15 e 16 de novembro de 1969, no Parque do Ibirapuera, na Zona Sul de São Paulo.

E também as bandas e intérpretes escaladas para tocar: entre os principais destaques Mutantes, Beat Boys, Beatniks, Som Beat, Gal Costa, Rogério Duprat, Os Leif’s, Tim Maia e muito mais gente.

Apesar disso, o festival não aconteceu, como contou, mais de trinta anos depois, o seu organizador, morador do Brooklin, e espécie de “elo” entre as turmas da Vila Mariana e da Pompéia, que resultou no grupo O’Seis, o pré-Mutantes.

“Era ao ar livre, sem cobrar ingressos. Aí, eu recebi um recado, que tinha que ir na Prefeitura, falar com uma pessoa, era um assessor não sei das quantas”.

O cara falou: “Seu hippie de merda, vocês tratem de suspender essa bagunça aí, porque senão quem for lá vai ser recebido a ponta de baioneta. Curto e grosso! Nem boa tarde, senta aqui“.

Segundo Peticov, diante das ameaças, que na época certamente seriam concretizadas, não teve outro jeito senão suspender o evento.

“Aí eu tive que sair correndo pra avisar em todo lugar que não ia ter o show. Avisar o pessoal das bandas, e correr em rádios pra dizer que foi cancelado. Era muito na base do pombo-correio, do boca-a-boca”.

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Lembrem do que foi “organização” de Woodstock, inicialmente planejado para apenas 50 mil pessoas, e imaginem que naquele tempo ainda havia espaço para produção artesanal bem sucedida.

“Mas, mesmo assim, no dia, foi muita gente lá”, lembra Peticov, que tem sua memória reforçada por Bogô, dos Beatniks, ex-grupo de palco do programa Jovem Guarda, na TV Record, que aderiu à psicodelia.

“Tinha muita gente lá, gente do Brasil inteiro que, em muitos casos, tinha vindo até a pé. Sem som, pegamos uma gaitinha, uns violões e ficamos tocando, até o pessoal dispersar”.

Hoje, restou um raro cartaz do show, e uma tênue lembrança, comprometida pelo tempo, pelo clima da época e pela, digamos, altitude de vôo (“too high”, como disse Serginho, do Mutantes, que esqueceu o fato) de grande parte dos envolvidos.

Peticov, em particular, acabou saindo do Brasil, indo inicialmente para a Itália e, depois, para os EUA, onde se tornou um dos dos mais importantes artistas plásticos modernos.

* Matéria publicada na Senhor F – A Revista do Rock, no início dos anos 2000.

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