O rock rural nasceu da junção do folk-rock e das sonoridades regionais nacionais que, no início dos anos setenta, fundiram-se sob o clima e o comportamental hippie que envolvia parte da juventude brasileira.

Transformando-se em estilo musical, o rock rural foi marcado pelo pioneiro mix rock-erudito-regional do grupo O Terço, pelo lado pop dos mineiros do Clube da Esquina e pelo folclore de diversas regiões do Brasil.

Exemplificando a “transa” entre os diferentes gêneros, o jornal Rolling Stones trazia em meados de 1972 uma destacada entrevista com o “rei do baião” Luiz Gonzaga em suas páginas.

  • Parceiros do futuro

A mistura já vinha sendo germinada desde meados dos anos sessenta, expressa em diversas intervenções e gravações, algumas delas praticamente desconhecidas.

O tropicalismo em canções como 2001 (com Os Mutantes, ou mesmo com Gilberto Gil) abriu as portas para o encontro do rock – e da guitarra elétrica – com todas as formas da música nacional, incluindo as manifestações mais tradicionais.

Não por acaso, quem acompanha Os Mutantes na música “Dois mil e um”, em seu segundo álbum, é a dupla caipira paulista Zé do Rancho (avô materno de Sandy e Junior Lima) & Mariazinha.

  • Um projeto de Duprat

Antes disso, por volta de 1966, o maestro Rogério Duprat e Chico de Assis (assista entrevista) já tinham tentado desenvolver a fórmula juntamente com o grupo O’Seis, o pré-Mutantes.

Ainda sem o devido reconhecimento, os brasilienses Os Primitivos produziam em 1967 um mix de rock à la Byrds com clássicos do folclore como Mulher Rendeira, Luar do Sertão e Asa Branca.

No VI Festival Internacional da Canção Popular, realizado em 1971, Zé Rodrix iluminou a estrada com a canção Casa No Campo, depois regravada por Elis Regina, transformada em clássico da música brasileira.

  • Nordestinos progressivos

Os pernambucanos Quinteto Violado com seu disco homônimo de estréia sintonizaram as sonoridades regionais com o rock, além daquela engendrada pelo triunvirato Alceu Valença-Zé Ramalho-Geraldo Azevedo.

Trazendo uma longa versão de Asa Branca, o disco lançado em 1972 abriu o caminho para outros grupos, mais roqueiros, ou mais tradicionais, como Banda de Pau e Corda, Santarén e o psicodélico Ave Sangria – de Marco Polo, Ivinho (ouça abaixo) e Paulo Raphael.

  • Os pais da “invenção

Espécie de pais da invenção, o trio Sá, Rodrix & Guarabira foi o primeiro grupo a chamar a atenção para a nova mistura sonora, com os álbuns Passado, Presente e Futuro e Terra, lançados em 1972 e 1973, respectivamente.

O primeiro trazia as músicas Zepelim, Ama Teu Vizinho, Juriti Butterfly, Hoje Ainda é Dia de Rock, Cumpadre Meu e o hino Primeira Canção da Estrada, hits do rock brasileiro dos anos setenta.

Com uma bela e ecológica capa, Terra reunia outros clássicos como Os Anos 60, Blue Riviera, Pendurado no Vapor e Mestre Jonas, que afirmaram a presença do trio – depois dupla: Sá & Guarabira – no cenário musical nas décadas seguintes.

  • 1972, ano da colheita

Além da estreia do trio Sá, Rodrix & Guarabira, o ano de 1972, foi pródigo em lançamentos do que já se configurava como um gênero musical.

Autores do clássico álbum Em Busca do Ouro, lançado em 1972, o grupo Ruy Maurity Trio também merece estar entre os precursores do gênero.

Liderado por Ruy Maurity, irmão do pianista Antônio Adolfo, o grupo produziu um dos maiores sucessos do rock rural, a canção Serafim e Seus Filhos (ouça na playlist).

Do mesmo ano, é o único e cássico álbum da banda Karma, liderada pelo integrante fundador de O Terço, Jorge Amiden, com sua guitarra tripla, que se destacou na cena folk.

Com mais peso para o samba e para o frevo, os Novos Baianos também botaram pitadas no caldeirão, especialmente com o super-hit Preta Pretinha, presente no clássico Acabou Chorare, de 1972.

  • Movimento nacional

O gênero encontrou igualmente guarida em outros estados e regiões do país, além de Minas Gerais e Nordeste, especialmente no Rio Grande do Sul, São Paulo e Bahia.

No Sul, destacaram-se o trio Inconsciente Coletivo (ouça aqui), o grupo Almôndegas e Os Tápes (lançado pelo selo Marcus Pereira), com inclinação regional e pesquisa voltada para resgatar a cultura indígena.

Em São Paulo, o interiorano Paranga (de quem o grupo Cokeluxe regravou Bobão, em versão rockabilly), o urbano Flying Banana (liderado por Passoca) e os “latinos” Tarancón e Raíces de América foram os responsáveis pelo desenvolvimento do gênero.

E da Bahia, liderados por Capenga e Gereba, veio o Bendegó, um dos mais importantes e criativos grupos dos anos setenta – de onde saíram Vermelho e Hely para formar o 14 Bis que, em parte, sustentou sua carreira na herança do rock rural dos anos setenta.

  • Anos setenta/oitenta

Na virada dos anos setenta para os oitenta, alguns grupos seguiram produzindo bons discos na linha do rock-regional-hippie-rural, como os brasilienses Mel da Terra e Por do Sol, o gaúcho Saracura (que tinha Nico Nicolayweski, do Tangos & Tragédias, entre seus integrantes).

Na mesma época, também o matogrossense Tetê & Lírio Selvagem (liderado por Tetê Espíndola) e, ainda, o paranaense Blindagem (com sonoridade estradeira e letras ecológicas de Paulo Leminski) trilharam o mesmo caminho.

Nesse mesmo período, surgem cantoras com orientação folk, entre elas a própria Tetê, Marlui Miranda com e Diana Pequeno, que ficou conhecida por sua versão de Blowin’ in the wind, de Bob Dylan.

Os versos finais de Casa no Campo cantados (ouça acima) em espanhol deram a deixa para a sintonia com a música latina em discos de grupos como Tarancón e interprétes como Dércio Marques.

Ouça abaixo (clique na imagem) uma seleção com canções dos principais artistas citados na matéria, por Fernando Rosa.

Foto: Divulgação.

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